sábado, 31 de dezembro de 2016

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

— 3Venho, assim, contemplar-vos no templo,*
para ver vossa glória e poder.


Deus quer o ser humano junto de si e o chama para o seu serviço, não por utilidade, mas por amor. E a resposta adequada do homem a revelação desta sua bem-aventurança é a fé: “venho”. A Escritura expõe os termos desta resposta: “Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5). “Sacrifício e oblação não quisestes, mas abristes, Senhor, meus ouvidos; não pedistes ofertas nem vítimas, holocaustos por nossos pecados. E então eu vos disse: 'Eis que venho!' Sobre mim está escrito no livro: 'Com prazer faço a vossa vontade, guardo em meu coração vossa lei!'” (Sl 39, 7-9). A Deus só se pode ir com intenção de dar-se por inteiro.

A casa do Senhor, o seu Templo, lugar do encontro preparado com tanto esmero, destruído e reconstruído, é símbolo do amor de Deus pela alma fiel, verdadeiro lugar do encontro entre o céu e a terra. “Contemplar-vos no Templo”, expressão do Salmo, é o encontro de duas promessas: a promessa do homem que sobe a montanha sagrada e a promessa divina de ali se manifestar. Não há uma fórmula exata para este encontro e o mesmo desejo de buscá-lo já revela o toque suave d’Aquele que move no coração tanto o querer como o agir (Cfr. Fl 2, 13). O homem realiza-se na entrega confiada a Deus, nos termos que Ele mesmo lhe revelou. Assim, "acreditar" já é estar a caminho para a plena contemplação. A vida se esvai inexoravelmente, mas o homem pode escolher onde e com que propósito ela se gastará.

“Para ver vossa glória e poder”. A promessa da visão de Deus não pode ser cumprida plenamente nesta existência terrena. O orante bem o sabe e anseia pelo cumprimento definitivo da passagem da figura deste mundo. Também sabe que nesta terra habita a confusão e a distorção da realidade que almeja, ainda que Deus não lhe negue para sempre os lampejos de sua glória e poder. Quem crê possui uma via de conhecimento privilegiada para a verdade.

“A fé faz que saboreemos, como que de antemão, a alegria e a luz da visão beatifica, termo da nossa caminhada nesta Terra. Então veremos Deus «face a face» (1 Cor 13, 12), «tal como Ele é» (1 Jo 3, 2). A fé, portanto, é já o princípio da vida eterna: «Enquanto, desde já, contemplamos os benefícios da fé, como reflexo num espelho, é como se possuíssemos já as maravilhas que a nossa fé nos garante havermos de gozar um dia» (São Basílio Magno).

Por enquanto porém, «caminhamos pela fé e não vemos claramente» (2 Cor 5, 7), e conhecemos Deus «como num espelho, de maneira confusa, [...] imperfeita» (1 Cor, 13, 12). Luminosa por parte d'Aquele em quem ela crê, a fé é muitas vezes vivida na obscuridade, e pode ser posta à prova. O mundo em que vivemos parece muitas vezes bem afastado daquilo que a ,fé nos diz: as experiências do mal e do sofrimento, das injustiças e da morte parecem contradizer a Boa-Nova, podem abalar a fé e tornarem-se, em relação a ela, uma tentação.

É então que nos devemos voltar para as testemunhas da fé: Abraão, que acreditou, «esperando contra toda a esperança» (Rm 4, 18); a Virgem Maria que, na «peregrinação da fé» (LG 58), foi até à «noite da fé» (Redemptoris Mater, 17), comungando no sofrimento do seu Filho e na noite do seu sepulcro (Idem, 18); e tantas outras testemunhas da fé: «envoltos em tamanha nuvem de testemunhas, devemos desembaraçar-nos de todo o fardo e do pecado que nos cerca, e correr com constância o risco que nos é proposto, fixando os olhos no guia da nossa fé, o qual a leva à perfeição» (Heb 12, 1-2)”. (Catecismo da Igreja Católica, 163-165)

“Porventura o céu e a terra te contêm, porque os enches? Ou será melhor dizer que os enches, mas que ainda resta alguma parte de ti, já que eles não te podem conter? E onde estenderás isso que sobra de ti, depois de cheios o céu e a terra? Mas será necessário que sejas contido em algum lugar, tu que conténs todas as coisas, visto que as que enches as ocupas contendo-as? Porque não são os vasos cheios de ti que te tornam estável, já que, quando se quebrarem, tu não te derramarás; e quando te derramas sobre nós, isso não o fazes porque cais, mas porque nos levantas, nem porque te dispersas, mas porque nos recolhes.

No entanto, todas as coisas que enches, enche-as todas com todo o teu ser; ou talvez, por não te poderem conter totalmente todas as coisas, contêm apenas parte de ti? E essa parte de ti as contêm todas ao mesmo tempo, ou cada uma a sua, as maiores a maior parte, e as menores a menor parte? Mas haverá em ti partes maiores e partes menores? Acaso não estás todo em todas as partes, sem que haja coisa alguma que te contenha totalmente?”. (Santo Agostinho, Confissões I, 3)


“Não seja vã, ó minha alma, nem ensurdeças o ouvido do coração com o tumulto de tua vaidade. Ouve também : o próprio Verbo clama que voltes, porque só acharás repouso imperturbável lá onde o amor não é abandonado, se ele não nos abandona antes. Eis que as coisas passam para ceder lugar as outras, e para que assim se forme este universo inferior, de todas as suas partes. “Mas, por acaso, afasto-me de um lugar para outro?” – diz o Verbo de Deus – Fixa nele tua morada, confia a ele tudo o que dele recebeste, alma minha, já cansada de tantos enganos. Confia à Verdade quanto da Verdade recebeste, e nada perderás; antes, tua podridão reflorescerá e serão curadas todas as tuas fraquezas, e serão retomadas e renovadas, estreitamente unidas a ti, tuas partes inconscientes; e já não te arrastarão para a ladeira por onde descem, mas permanecerão contigo para sempre onde está Deus, eterno e imutável”. (Santo Agostinho, Confissões IV, 11)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

= 2b A minh'alma tem sede de vós,+
minha carne também vos deseja,*
como terra sedenta e sem água!


“A minh’alma”: é esta realidade que está diante de meu Deus. Pequena, mas alvo do amor divino. Ela mesma não é capaz de compreender o incompreensível, mas foi criada para estar ante a Majestade de Amor. Ignorante de si mesma e ignorante de seu Senhor, ela foi criada para arder de amor e nisto encontra sua bem-aventurança. “Exulte o coração dos que buscam o Senhor” (Sl 105, 3). Ai de minha alma se se esquece ou se esquiva da verdade!

Entretanto esta alma quer e pode crescer em conhecimento, de si e de Deus, do mundo e do seu semelhante; e a verdade que mais a atrai, vencidas as barreiras das aparências, é Deus. Ela “tem sede de vós”. Esta sede de eternidade e de verdade dá sentido à vida do homem, um ser finito em suas potências, mas feito de aspirações pelo infinito.

Não só o espírito do homem procura um sentido, mas também sua carne, receptáculo e expressão de sua maravilhosa interioridade. Todo homem deve confessar: “minha carne também vos deseja”. Pois esta esplêndida criatura de Deus, o corpo humano, assumido pela divindade na Encarnação do Filho, foi criado para ver o Amor. A carne também é capaz de manifestá-lo e expressá-lo a tal ponto que foi querida por Deus Onipotente na plenitude de sua Revelação. Ela não é carcereira do espírito, mas sua intérprete mais fiel, e também anseia a beleza divina, como o manifesta, entusiasta, o justo Jó: “Eu sei que meu redentor está vivo e que no fim se levantará acima do pó. Mesmo com a pele em pedaços e em carne viva, eu verei a Deus. Eu mesmo o verei, e não outro; eu o verei com os meus próprios olhos. Minhas entranhas queimam dentro de mim”. (Jó 19, 25-27)

Sua sede impressionante clama pela misericórdia na confissão de sua impotência: “como terra sedenta e sem água”. As rachaduras da terra árida, como gargantas abertas, são um testemunho de sua pobreza ante o Céu "plenipresente" que pode deixar cair a água, única capaz de fechar suas fauces. Assim é o homem ante o mistério: sedento e esperançoso.

“E como invocarei meu Deus, meu Deus e meu Senhor, se ao invocá-lo o faria certamente dentro de mim? E que lugar há em mim para receber o meu Deus, por onde Deus desça a mim, o Deus que fez o céu e a terra? Senhor, haverá em mim algum espaço que te possa conter? Acaso te contêm o céu e a terra, que tu criaste, e dentro dos quais também criaste a mim? Será, talvez, pelo fato de nada do que existe sem Ti, que todas as coisas te contêm? E, assim, se existo, que motivo pode haver para Te pedir que venhas a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?

Ainda não estive no inferno, mas também ali estás presente, pois, se descer ao inferno, ali estarás.

Eu nada seria, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em quem existem todas as coisas? Assim é, Senhor, assim é. Como, pois, posso chamar-te se já estou em ti, ou de onde hás de vir a mim, ou a que parte do céu ou da terra me hei de recolher, para que ali venha a mim o meu Deus, ele que disse: Eu encho o céu e a terra?”. (Santo Agostinho, Confissões I, 2)

“De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:

Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (At 17, 26-28).

Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus» (GS, 19) pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas (Cfr. GS 19-21) a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas (Cfr. Mt 13, 22), o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus (Cfr. Gn 3, 8-10) e foge quando Ele o chama (Cfr. Jo 1, 3)”. (Catecismo da Igreja Católica, 28-29)

“O bem é objeto da fé enquanto verdadeiro e objeto da esperança enquanto desejável e acessível, mas ambos dependem da caridade que tem o bem como objeto enquanto apetecível. Ninguém crê, a não ser querendo. Ninguém deseja um bem a não ser porque o ama. (...)

O intelecto é absolutamente anterior à vontade, porque o bem inteligido é objeto da vontade. Mas, no operar e no mover, a vontade é anterior. (...) Por isso, também a vontade move o próprio intelecto, enquanto é operativo, pois, nos valemos do intelecto quando queremos. Daí que o crer é o intelecto movido pela vontade (pois cremos em algo porque queremos). Segue-se que a caridade dá mais forma a fé do que o inverso. (...)

Quando as coisas são mais elevadas do que o que entende, então a vontade se eleva mais acima de onde pode chegar o entendimento. E, por isso, nas coisas morais, que estão abaixo do homem, a virtude cognitiva informa as virtudes apetitivas, como o faz a prudência em relação às outras virtudes morais. Contudo, nas virtudes teologais, que são a cerca de Deus, virtude da vontade, a saber, a caridade, informa a virtude do intelecto, a saber, a fé”. (Santo Tomás de Aquino, Questões disputadas sobre as virtudes, q. 2, a. 3)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

— 2Sois vós, ó Senhor, o meu Deus!*
Desde a aurora ansioso vos busco!


No início de meu dia, Senhor, o encontro. Como fiel sentinela de minha alma, Ele está a postos e me incita a levantar. Busco o Senhor porque me buscou primeiro. Brota, então, de meu coração uma certeza maior e mais densa do que minha própria vida: “Sois Vós”!

Não consigo expressar palavra que desafogue o que sinto ao perceber Sua presença. O Senhor inunda, sustenta, refulge, abrasa. Persiste, entretanto, minha pequenez. Intuo que subsistir a este fogo abrasador é um mistério que não posso penetrar, mas não há espaço para nada mais que estar e agradecer estar ante o mistério que compreende tudo, onde minha origem e meu destino são uma parte muito pequena, e só se mantém por amor, pois nada sou. Ele é Deus, “o meu Deus”.

Não resta ação a não ser o amor e a união. “A aurora” manifesta o que a noite escondia. “Tudo foi feito por Ele, e, sem Ele, nada seria de tudo o que foi feito” (Jo 1, 3). Cala toda voz, as discussões e as guerras, e as bajulações. Toda vaidade silencia ante o Senhor Onipotente. E tudo é pura aurora e, nos seres, puro desejo e busca.

Onde calam as paixões, o amor pode falar: “ansioso vos busco”. Esta busca não tem desencontros, não é estilhaço e diversidade, mas unidade infinita e bela, finalidade de todos os desejos bons, capaz de saciar infinitamente o que todos os sentidos anseiam e, ainda assim, não cessam de desejar sempre mais. Paz e silêncio em toda da terra!

“És grande, Senhor e infinitamente digno de ser louvado; grande é teu poder, e incomensurável tua sabedoria. E o homem, pequena parte de tua criação quer louvar-te, e precisamente o homem que, revestido de sua mortalidade, traz em si o testemunho do pecado e a prova de que resistes aos soberbos. Todavia, o homem, partícula de tua criação, deseja louvar-te.

Tu mesmo que incitas ao deleite no teu louvor, porque nos fizeste para ti, e nosso coração está inquieto enquanto não encontrar em ti descanso. Concede, Senhor, que eu bem saiba se é mais importante invocar-te e louvar-te, ou se devo antes conhecer-te, para depois te invocar. Mas alguém te invocará antes de te conhecer? Porque, te ignorando, facilmente estará em perigo de invocar outrem. Porque, porventura, deves antes ser invocado para depois ser conhecido? Mas como invocarão aquele em que não crêem? Ou como haverão de crer que alguém lhos pregue?

Com certeza, louvarão ao Senhor os que o buscam, porque os que o buscam o encontram e os que o encontram hão de louvá-lo.

Que eu, Senhor, te procure invocando-te, e te invoque crendo em ti, pois me pregaram teu nome. invoca-te, Senhor, a fé que tu me deste, a fé que me inspiraste pela humanidade de teu Filho e o ministério de teu pregador”. (Santo Agostinho, Confissões I,1)

quarta-feira, 2 de novembro de 2016




Virgindade e celibato: por uma sexualidade pascal
CENCINI, Amedeo. São Paulo: Paulinas, 2012, 3a edição.

3.     Sexualidade: mistério e vocação
“A sexualidade é como que a matéria prima de tal escolha (opção virginal). A virgindade é um modo preciso de viver a própria realidade sexual, não um álibi para negá-la ou contorna-la”. (p. 59)

“A ideia de sexualidade evoca, no imaginário coletivo, a ideia de uma força improgramada e improgramável, livre e solta de qualquer norma e ligame, criativa e completamente sugestiva. Na realidade, a sexualidade tem um fisionomia precisa. Então, possui também suas leis e como que um códice interno (uma ordem), que consente tender para um fim exato, mas ao longo de um percurso de formação em que cada um é responsável e livre para aderir. Uma autêntica sexualidade é conjuntamente energia espontânea e ordenada”. (p. 60-61)

“A sexualidade suscita a consciência do limite e da radical pobreza humana. É isso que permite sentir a necessidade do outro e faz reconhecer o dom já recebido, mas, juntamente, é riqueza de energia, que capacita a pessoa a encontrar o outro, no pleno respeito da diversidade, e a fazer-lhe dom de si”. (p. 61)

Origem: Dom divino
“É importante reforçar a origem divina da sexualidade. Não porque existam dúvidas na teoria, mas para reagir contra certa tendência depreciativa ou não suficientemente capaz de suscitar estima com relação a ela”. (p. 62)

“Nós nos cremos emancipados a este respeito (sexual), mas estamos longe do sentido teológico da sexualidade tão evidente ao antigo fiel”. (p. 63)

Características: centralidade e invasão
“Na geografia do nosso mundo interior, a sexualidade ocupa exatamente um lugar central, que a coloca em relação com todas as outras áreas da nossa personalidade. Centralidade tal que estas duas singulares situações se poderão criar: conflito sexual com raízes não sexuais e conflito não sexual com raízes sexuais”. (p. 63s)

“De um lado, então, a sexualidade faz as vezes de caixa de ressonância dos problemas pessoais surgidos em outras partes; de outro, ela se esconde, camuflando-se sob falsas aparências: esconde e se esconde, é invadida e invade. Justamente por isso, a sexualidade é como um termômetro que mede a maturidade geral da pessoa; indica eventualmente a febre, mesmo se nem sempre lhe determina a origem”. (p. 64)

Componentes: do genital ao espiritual
“ ‘O sexo procede da alma que o exprime’, recebe, então, sentido a partir do coração pensante, mas segundo uma preexistente ordo sexualitatis. E, se de um lado ‘a carne é floração do espírito’, o carnal, por sua vez, pode e deve encontrar a própria função de sacramento do espiritual, le lugar onde aquela ordo é reconhecível, talvez o seu principal sinal”. (p. 68)

“Tentação não será tanto somente a atração pelo outro sexo (em si natural), quanto toda visão redutiva e negativa, banal e superficial, pobre e temerosa da sexualidade que, em virtude da preocupação com a própria (má entendida) perfeição, corre o risco de não apreender e desfrutar todo o patrimônio de energia aí contido, tonando estéril, isto é, falsa, a própria virgindade”. (p. 69)

“A sexualidade é mística e ascética, dom de graça que exige o cansaço e a renúncia dos sentidos para atingir a alegre liberdade do amor fecundo”. (p. 70)

Funções e valores: o dom criador
“A diferença entre os sexos é e indica a diversidade radical, o símbolo por excelência das diferenças, quase a escola para aprender a respeitar e valorizar o ‘tu’, qualquer ‘tu’, na sua diversidade e apreciá-lo na sua inconfundível beleza”. (p. 71)

Poesia Virgem
“Tu, meu tudo, minha vida.
Sem ti tudo não seria
Senão pó espezinhado

Por cansados pés ignaros”. 


Algumas frases de Santo Tomás de Aquino sobre a caridade.
Questões disputadas: Questões disputadas sobre as virtudes, Questão 2

Artigo 4: Se a caridade é uma só virtude.

Argumenta
“Os hábitos se distinguem pelos atos, e os atos pelos objetos”.

“Os preceitos da lei se ordenam às virtudes, porque a intenção do legislador é tornar os homens virtuosos, como se diz no livro II da Ética”.

“A amizade perfeita não se dá a muitos”.

Respondeo
“É evidente que podemos amar alguém de dois modos: de um modo, por razão de si mesmo; de outro modo, por razão de outro. (...) A caridade ama a Deus por razão de si mesmo; e, por causa dele, ama todos os outros, enquanto se ordenam a Deus”.

Responsiones ad argumenta
“A caridade visa, como objeto principal, o bem divino, que pertence a cada um segundo possa ser partícipe da beatitude. Assim, só amamos pela caridade àqueles que possam participar conosco da beatitude, como diz Agostinho no livro Sobre a doutrina cristã”.


“Não se ama uma coisa porque se conhece, mas porque é boa. Por isso, o maior bem será o mais amável, ainda que não seja o mais conhecido”.


Dinâmicas da História do Mundo
Dawson, Christopher. São Paulo: É Realizações, 2010, 1a edição.

As fontes de mudança cultural

“O que é uma cultura? É um modo de vida comum – um ajuste particular do homem em relação ao seu meio natural e às suas necessidades econômicas. Em seu uso e transformações ela se assemelha ao desenvolvimento de uma espécie biológica, a qual, como o dr. Regan salientou em seu discurso para a Associação Britânica em 1925, se refere basicamente não a uma mudança em sua estrutura, mas formação de uma comunidade, seja por novos hábitos, seja pela adaptação a um novo e restrito ambiente. (...) Quanto mais baixa umacultura for, mais passiva ela será em relação ao meio que a envolve. Um alta cultura, todavia, irá se expressar, através de seu meio, de forma magistral e excepcional, como faz o artista utilizando o meio que seu material permite”. (p. 68-69)

“Um modo de vida particular, em um meio ambiente particular, produz um tipo humano especializado, caso o processo ocorra em um período longo o bastante”. (p. 70)

“A cultura não pode ser vista como simples resultado de um determinismo climático ou econômico, pois é, na realidade, uma obra de arte, um triunfo da inventividade e da resistência humanas; é, também, fruto de uma tradição cultural muito antiga, a qual pode se estender muito para trás no tempo e no espaço, até as profundezas da era glacial das culturas do período magdaleniano europeu”. (p. 71)

O autor não trata do “progresso cultural” como um movimente uniforme ou retilíneo. Distingue 5 tipos principais de:
1. Caso simples: onde os povos desenvolvem seu modo de vida em seu meio ambiente, sem intromissões humanas externas;
2. Readaptação: quando, ainda dentro dos moldes do caso anterior, um determinado povo muda-se de seu meio ambiente original e precisa, assim, readaptar sua cultura.
3. Mistura de povos: geralmente pelo processo de conquista, raramente por contato pacífico, povos se misturam. Sem dúvida, é o processo mais importante no estudo histórico. 1º há um período de vários séculos de crescimento silencioso, seja por força da cultura que trouxe consigo ou que encontrou, os povos desenvolvem suas potencialidades; 2º Logo surge um período de intensa atividade cultural e também de intensos conflitos. A partir daí a cultura atinge maturidade e equilíbrio.
4. Interdependência: quando um povo absorve conquistas culturais de outros povos, tornando-as suas.

5. Transformação: quando um povo muda sua cultura a partir da razão. Seja por conhecimentos adquiridos, seja por novas crenças religiosas.


Dinâmicas da História do Mundo
Dawson, Christopher. São Paulo: É Realizações, 2010, 1a edição.

Prefácio à edição de 1978 (John J. Mulloy)

“O problema da sobrevivência social não é apenas um problema de ordem política e econômica, pois é, acima de tudo, um problema de ordem espiritual, uma vez que é na religião que encontramos as mais significativas fundações espirituais que constituem, simultaneamente, a sociedade e o indivíduo”. (MULLOY, John. In: Op. Cit., p. 45)

“ Como resposta à visão de Tylor de que o homem é incapaz de conceber o transcendente a não ser na forma muito limitada do animismo, Dawson afirma que ‘A fundação elementar da religião primitiva não é a crença em espíritos ou seres míticos, mas está ligada a uma obscura e confusa intuição do ser transcendente – um oceano de energia espiritual”. (Idem, p. 48)

“Contra o posicionamento de Durkheim, que interpreta o fenômeno religioso como, essencialmente, a adoração do próprio grupo e dos laços que o mantém coeso, Dawson afirmam que a orientação da religião primitiva não é, em última análise, direcionada para dentro do grupo, mas para fora, para o mundo da realidade espiritual”. (Idem, p. 49)

“Os meios pelos quais essa consciência do Transcendente é mantida viva numa cultura são fornecidos pela profecia e pelo misticismo. Uma religião se torna mero ativismo social, faltando-lhe vitalidade, sempre que estes canais de comunicação como o reino do sobrenatural são cortados ou negligenciados. É aqui que os papeis do homem santo e dos verdadeiros profetas se tornam tão importantes para a vida religiosa de uma sociedade”. (Idem, p. 50)

“Quando os profetas estão calados e a sociedade não mais possui quaisquer canais de comunicação com o mundo divino, o caminho para as profundezas permanece aberto e os frustrados poderes espirituais dos homens encontrarão vazão na vontade ilimitada de destruição e poder”. (Idem, p. 52)


“É apenas ao aceitarmos o ponto de vista religioso, ao considerarmos a religião como um fim em si mesma e não como um meio para se atingir outras coisas, que podemos discutir os problemas religiosos de maneira eficiente”. (Idem, p. 52)