segunda-feira, 20 de março de 2017

Homilia para o 3o domingo da Quaresma




Meus irmãos, estamos no terceiro domingo da Quaresma e nossa mãe, a Igreja, nos oferece uma bela liturgia da Palavra que fala de conversão. Que é o tema principal deste tempo.

A primeira leitura nos fala de Deus que corrige o seu Povo, não com o castigo, mas com a superabundância de bênçãos. Deus responde a Moisés diante das murmurações do povo e do próprio Moisés, dizendo como encontrar água no deserto. Esta água é sinal desta benção sem limites, pois ela mata a sede e anuncia Jesus Cristo, pedra viva que será golpeada pelos nossos pecados, pela nossa impaciência, como a Povo no deserto, e dele sairá abundante manancial de água da salvação.

A segunda leitura nos fala da mediação de Cristo, por meio do qual se “derramará” sobre os corações o amor de Deus, o Espírito Santo. Que lava, purifica e restaura toda a criação.

E a terceira leitura, que é o Evangelho de São João, mostra-nos o diálogo de Jesus com a mulher samaritana, duas sedes que se encontram numa promessa capaz de mudar o mundo: uma “água viva” que saciará perpetuamente a sede de quem a beber. Jesus tem sede, pede água à mulher samaritana, mas a samaritana tem uma sede mais profunda.

Na verdade, a água sempre foi um símbolo muito importante para nós cristãos, pois reconhecemos que “renascemos da água e do Espírito Santo” (Cfr. Jo 3, 5). No início do cristianismo os fiéis costumavam representar Cristo como “peixe” e nós “seus peixinhos”, pois como os peixes eles sabiam que tinham nascido da água e que não podiam viver se não permanecessem no batismo, na graça e na fidelidade a Cristo. Sabiam que fora d’água, símbolo do Espírito Santo, morreriam certamente, como o peixe.

São Francisco de Assis (séc. XIII) também dedica um verso à “irmã água”, dizendo que ela é “humilde e preciosa e casta”. É um bonito símbolo da graça de Deus!

Podemos reconhecer então: que em nós há uma sede mais forte do que a sede material. O que é a sede da graça de Deus?! O pecado nos secou e pôs de novo no deserto. Esta é nossa situação. Por isso, muitas vezes deliramos de sede. Mas Deus terá sempre a água de sua graça, se nós a soubermos pedir e receber com humildade. Bebendo desta água nunca mais teremos sede.

Mas o coração orgulhoso resiste a pedir perdão. Não queremos pedir nada, queremos ser autossuficientes. Não é verdade que somos muito mais inclinados a nos justificarmos e assumirmos uma espécie de “humildade de fachada” (Papa Francisco, 14/06/2013), que não alcançará a graça da reconciliação porque está mais preocupada em “manter posições” que em “mudar de lugar”. Como o povo no deserto, nós queremos libertação, mas com as mesmas comodidades do cativeiro do Egito. Meus irmãos, quem quiser sair do pecado precisará enfrentar o deserto! Tem que se “desalojar”, ficar incomodado, deixar Deus te desmontar. Esta é a humildade que precisamos para receber a graça de Deus. Não dá para vir a água viva se continuamos cm os velhos recipientes do pecado.

Estamos no tempo da Quaresma e já começaram os mutirões de confissões, graças a Deus, por isso faça a experiência de não se justificar. Diga fiz isso e aquilo. O padre é seu irmão e sabe dos reveses desta vida, e sabe também, por experiência própria, que nenhum deles justifica o pecado. É uma libertação ser simples, como a água, sem maiores justificativas. Para quem quer uma vida nova a simplicidade é regra.

São Beda, o venerável, no século VIII, explicava a liturgia que lemos hoje dizendo que “o dom de Deus não é outra coisa que o Espírito Santo: este é o dom que o senhor enviou aos seus amigos” (Sermão sobre a samaritana no poço de Jacó). Por isso a liturgia de hoje nos propõe a leitura da carta aos Romanos que diz que o “amor de Deus foi derramado sobre os nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (v.5). Poderíamos acrescentar: derramado como água em nossos corações. Esta água humilde e preciosa e casta. Que é capaz de entrar nas frestas de nossa falta de generosidade e nos transformar, também em humildes, preciosos e castos filhos de Deus.

E mais uma coisa: em fortes filhos de Deus. Fortes da “esperança que não decepciona”. Havia um padre idoso em nossa Diocese, já falecido, que costumava dizer que era “madeira de lei”. De fato, tinha fama de ser muito obediente à Igreja e bem disposto para todo trabalho. Estas são virtudes dos fortes, não é? Obediência, humildade, generosidade são virtudes que andam juntas. São dons do Espírito Santo que é ao mesmo tempo suave e forte, como a água.

A Igreja precisa desta água suave e forte nos seus pastores e nos seus fiéis. Fortes para o serviço a Deus e aos irmãos, fortes na tribulação, fortes na paciência a toda prova, fortes na defesa da verdade, fortes no amor. Mas só é forte quem é humilde, como a água. Quem quer tudo para si, que só reclama, quem quer sempre estar subido em pedestais, este não é forte, é soberbo, é frágil. “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Tg 4, 6).

O Evangelho vem confirmar tudo o que nós falamos até agora. Este diálogo tão rico entre Jesus e a samaritana gira em torno do símbolo da água, e merece tempo em nossa oração pessoal neste fim de semana. Não deixe de fazê-lo!

Jesus, ao meio dia, pede água à mulher samaritana. É comum que ao meio dia um viajante pare num poço para tomar água, mas não é comum que uma mulher espere o ponto mais alto do sol para buscar água para seus afazeres. A gente só entende isso quando Jesus diz que “o marido que agora ela tem não é o dela”.

Talvez por isso ela escolhesse um horário em que as outras mulheres não estariam no poço para pegar água. Para evitar confusão, não é? Provavelmente a mulher legítima fosse ao poço nos horários mais frescos do dia. Que vida mais difícil a da samaritana! E Jesus vai até ela.

Santo Efrém, diácono sírio do século IV, explica assim: “Nosso Senhor veio à fonte como um caçador, ele pediu água para podê-la dar; pediu de beber como alguém sedento, para ter oportunidade de saciar a sua sede”. (Diatessaron 12, 16)

É bonito pensar que Deus quis ter sede para poder chegar a ela e a nós, que vamos ao poço para tirar água. No meio de nossos pecados. Na hora mais quente do dia. Com grande dificuldade lançamos o balde. E Deus se aproxima, pedindo água, para nos salvar.
Na verdade, as exigências de Deus são sinal de que se importa conosco. Tanta gente revoltada porque Deus pede, exige, orienta... Isto é sinal de amor! Transformar Deus em um Deus de promoção, que sempre exige menos não é aproximá-lo das pessoas, mas distanciá-lo, banalizá-lo. Deus é consigo mesmo exigente em Cristo. Ele se faz pobre, para que sejamos enriquecidos.

Nosso abraço com Deus é esta generosidade, Deus é generoso e nós também. Tempo de Quaresma é tempo desta generosidade dos corações: com a Igreja, com os pobres, com os irmãos, com os familiares, com todos! Não recuse este caminho de amor: ele é o deserto, é doloroso, nos liberta do orgulho, é libertador! Peçamos a graça de ser comoa água, fortes, humildes, preciosos e casta, sempre a serviço da vida e purificando a todos que passam por nós.

Deus abençoe a todos!