quinta-feira, 7 de maio de 2020


Em quarentena.


  Nestes dias o despertador não tem tocado. Levanto-me antes do horário. Não deixo esse esboço de sepulcro me horizontalizar nem mais um minuto! Nunca gostei muito de chá de cama pela manhã.
  O passo entra gasto no banho e sai novo e cantando. Em geral são as 7h quando isso acontece. Quarto arrumado... hora de subir ao altar.
  Primeiro, a oração das horas e, logo, arrumo o altar para a celebração.
  Na sacristia estão os bilhetes: intenções, sétimos dias, santos, intenções, o país, a Igreja, pessoas, família, histórias, preocupações, preocupações, preocupações.
  Como ensina o Evangelho: “a cada dia basta o seu cuidado”.
  Agora devo cuidar somente d’Aquele que cuida de mim.
  Como olhar para Ele e não enxergar uma multidão em seu Sagrado Coração? Não sei.
  Tenho nomes, histórias, coisas que não sei, coisas que mal sei, coisas que sei mal. Levo todos comigo. Não subirei sozinho. Nunca subi sozinho ao altar.
  Enquanto me revisto, me reviso:
  “- Perdão, Senhor, pequei”.
  “- Como sou feliz por mais uma Santa Missa!”
  “- Ajudai-me, Jesus, meu amigo”.

  “- SEMPRE”.

  Os bancos da capela são poucos e estão todos vazios. Ainda bem que o isolamento social não chegou à sociedade da comunhão dos santos. Lembrei de uma história que ouvi há muito tempo: As igrejas são altas para que não falte lugar aos anjos.
  “- Meu anjo da guarda, doce companhia, não me faltes nunca, nem de noite, nem de dia”.
  Duas fileiras de bancos formam um corredor curto. Ouço os meus próprios passos que ecoam. Outra vez penso que estou só:
  “- Venha a fé, por suplemento, os sentidos completar!”
  Olho para o altar e me emociono. Ali está o Solitário solidário. Meu amor de braços abertos, entre o céu e a terra... só.
  “- Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
  Eco e silêncio.
  Quem disse que o amor é sempre doce, errou. Ele é sempre quente. Nem tudo que é vivo é doce.
  Peço perdão com a alma naquela cruz e já não estou sozinho. A partir de agora, tudo é companhia: as leituras, o salmo, a meditação, as preces. Esta é a parte da missa que sempre foi mais pública.   Também as preces têm seu caráter universal, mas o silêncio do ofertório me faz sentir outra vez um eco na alma. Neste espaço vazio, sinto como se estivesse entre o céu e a terra... só.
  Comparecem o pão e o vinho, e começa o memorial. As oblatas são mudas. Nós lhes damos voz:
  “- Fruto da terra e do trabalho”. “- Fruto da videira e do trabalho”. “- Bendito seja o Senhor para sempre”.
  E a água? Tão humilde e tão generosa, ela limpa as mãos deste pobre pecador.
  Recito um canto e a alma solfeja cada uma das palavras.
  Chegamos às letras maiúsculas: “Tomai todos e comei!”. “Tomai todos e bebei”.
  É maiúsculo o momento. Eu Te olho:
  "- Estás vivo!"
  Tu me olhas e não há dúvida. Graças a Deus!
  “- Como sou feliz por mais uma Santa Missa! Viestes para todos, mas não todos estão aqui”.

  “- SEMPRE”.

  O Sangue molha o Corpo. “Olharão para aquele que traspassaram e baterão no peito, como em dolo pelo filho único”.
  “- Senhor, que esta comunhão não seja para mim causa de juízo e condenação, mas, por vossa bondade, seja sustento e remédio para a minha vida”.
  A Missa sempre será uma festa e um drama. Ainda que a mesa esteja repleta, sempre há um lugar vazio: Muitos os convidados... poucos os comensais.
  É o mesmo drama desde a primeira missa. O Senhor sempre o viu. Eu, no entanto, nem sempre o vi. Como estou longe de ter os mesmos sentimentos de Cristo!
  Limpo a patena e vejo que reflete luz. Alguns arranhões. Tomo cuidado ao recolocar o cálice.
  Silêncio.
  “- Oremos!”
  “- Deus eterno e todo-poderoso, que, pela ressurreição de Cristo, nos renovais para a vida eterna, fazei frutificar em nós o sacramento pascal e infundi em nossos corações a fortaleza desse alimento salutar. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.”
  “- Que esta benção chegue a todos os que mais a necessitam!”
  Confesso que é um alongamento cardíaco celebrar a Santa Missa. É como se o coração criasse mil braços e tentasse alcançar sempre mais longe, sempre mais longe, sempre mais longe.
  Dou um beijo sobre o linho do altar e instintivamente começo a cantarolar: “- Maria de Nazaré. Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”.
  Tudo pronto. Tudo guardado.
  Agora preciso esperar uns minutos para que a alma se acomode e seja capaz de agradecer.
  “- Ajudai-me, Jesus, meu amigo.
  - Senhor, eu fiz o que me mandastes. Sou um servo inútil. E ainda assim me convidais para esta santa ceia”.

 “- SEMPRE”.