domingo, 1 de janeiro de 2017

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

— 4Vosso amor vale mais do que a vida:*
e por isso meus lábios vos louvam.


Qual o valor do amor? Sem dúvida todas as coisas têm seu verdadeiro valor quando tocadas pela eternidade. Aquilo que é transitório traz um peso para a alma, que é eterna e quer a eternidade. Bom é amar a Deus e nele todas as coisas. Bom é encontrar todas as coisas em Deus e Deus em todas as coisas. “Vosso amor vale mais do que a vida”. Este não é um grito de desespero ou frustração com esta vida terrena, mas um êxtase diante da verdade do Evangelho, que lança novas luzes de ciência sobre todas as coisas materiais e sobre as eternas. Não há contradição entre o bem temporal e o bem eterno de todas as coisas, quando os contemplamos sob a luz da Verdade de Deus.

Sobe do coração aos lábios este louvor das vossas criaturas, que ao chegar a Vós, se eternizam em vosso coração misericordioso e condescendente, “por isso meus lábios vos louvam”. Entretanto recordo também, “O Senhor disse: ‘esse povo se aproxima de mim só com palavras, e somente com os lábios me glorifica. Enquanto o seu coração está longe de mim” (Is 29, 13); “Pois eles não falam com sinceridade, e o seu íntimo está cheio de maquinações. Sua garganta é um túmulo aberto e sua língua é aduladora” (Sl 5, 10); “Cada palavra de seus lábios é um pecado” (Sl 58, 13); e ainda: “o inimigo tem lábios doces, mas no coração planeja como jogar-te no buraco” (Eclo 12, 16).

Por isso eu vos peço Senhor: “Ai de mim, estou perdido! Sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros, e meu olhos viram o Rei, Senhor dos exércitos!” (Is 6, 5), Vós que prometestes: “vou purificar os lábios dos povos, para que todos possam invocar o nome e Javé e servir a ele de comum acordo” (Sf 3, 9), purificai meus lábios para o vosso louvor, pois “os lábios do sacerdote guardam o conhecimento, e de sua boca se procurava o ensinamento, pois ele era um mensageiro do Senhor dos exércitos” (Ml 2, 7). Não por meus merecimentos, Senhor, mas por amor de vosso povo, purificai os meus lábios para o vosso louvor!

“Se te agradam os corpos, louva a Deus neles, e dirige teu amor para teu artífice, para não o desagradar nas mesmas coisas que te agradam. Se te agradam as almas, ama-as em Deus, porque, embora mutáveis, se fixas nele, terão estabilidade; de outro modo, passariam e pereceriam. Ama-as, pois, nele, e arrasta contigo até ele quantas almas puderes, dizendo-lhes: “Amemo-lo”. Porque ele criou estas coisas, e não está longe; ele não as fez para depois ir embora, mas dele procedem e nele estão. E ele está onde aprecia a verdade: no mais íntimo do coração; mas o coração errante se afastou dele.

Voltai, pecadores, ao coração, e ligai-vos àquele que é vosso criador. Firmai-vos nele, e estareis firmes; descansai nele, e estareis descansados. Para onde ides por esses ásperos caminhos? Para onde ides? O bem que amais, dele procede, mas só é bom e suave quando se dirige a ele; porém, será justamente amargo se, abandonando a Deus, amardes injustamente o que dele procede. Por que continuai por caminhos difíceis e trabalhosos? O descanso não está onde o buscais. Buscais a vida feliz na região das trevas: não está lá. Como achar a vida bem-aventurada onde nem sequer há vida?

Ele, nossa vida real veio até nós; sofreu nossa morte, e a suplantou com a abundância de sua vida; com voz de trovão clamou para que voltássemos a ele, para o lugar escondido de onde veio até nós, passando primeiro pelo seio de uma virgem, onde se desposou com ele a natureza humana, carne mortal, para não ficar sempre mortal. Dali, como o esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante, para correr seu caminho. E não se deteve; correu clamando com suas palavras, com suas obras, com sua própria morte, com sua vida, com sua descida aos ínferos e com sua ascensão, clamando para que voltássemos a ele. Se ele se afastou de nossa vista, foi para que entremos em nosso coração, e ali o encontremos; se partiu, ainda está conosco. Não quis ficar por muito tempo entre nós, mas não nos abandonou. Retirou-se de onde nunca se afastou, pois o mundo foi criado por ele, e no mundo estava, e ao mundo veio para salvar os pecadores. E a ele se confessa minha alma, a ele que a cura e contra quem pecou.

Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Será possível que, depois de ter a vida descido até vós, não queirais subir e viver? Mas para onde subis, quando vos ergueis e abris vossa boca no céu? Descei para subir, para subir até Deus, já que caístes levantando-vos contra Deus. Dize-lhes isto, minha alma, para que chorem neste vale de lágrimas, e assim os arrebates contigo para Deus, pois, ao dizer estas palavras ardendo em chamas de caridade, é o espírito divino que te inspira”. (Santo Agostinho, Confissões IV, XII)


Citações do Catecismo da Igreja Católica:

“2464. O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por actos, a recusa em empenhar-se na rectidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces da Aliança”.

“2475. Os discípulos de Cristo «revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras» (Ef 4, 24). «Libertos da mentira» (Ef 4, 25), devem rejeitar «toda a malícia, falsidade, hipocrisia, invejas e toda a espécie de maledicência» (1 Pe 2, I)”.

“2487. Qualquer falta cometida contra a justiça e contra a verdade implica o dever da reparação, mesmo que o seu autor tenha sido perdoado. Quando for impossível reparar publicamente um mal, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que foi lesado não pode ser indemnizado directamente, deve dar-se-lhe uma satisfação moral, em nome da caridade. Este dever de reparação diz respeito também às faltas cometidas contra a reputação alheia. A reparação, moral e às vezes material, deve ser avaliada segundo a medida do prejuízo causado e obriga em consciência”.

“2500. A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Do mesmo modo, a verdade comporta a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência; mas a verdade pode encontrar também outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela comporta de indizível: as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes mesmo de Se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus revela-Se-lhe pela linguagem universal da criação, obra da sua Palavra e da sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do  cosmos – que podem ser descobertas tanto pela criança como pelo homem de ciência – , «a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5), «porque foi a própria fonte da beleza que as criou» (Sb 13, 3).

«Com efeito, a Sabedoria é um sopro do poder de Deus, efusão pura da glória do Omnipotente; por isso, nenhum elemento impuro a pode atingir. Ela é o esplendor da luz eterna, límpido espelho da actividade de Deus, imagem da sua bondade» (Sb 7, 25-26). «A Sabedoria é, de facto, mais formosa do que o sol e supera todas as constelações. Comparada com a luz, revela-se mais excelente, porque à luz sucede a noite, mas a maldade nada pode contra a Sabedoria (Sb 7,29-30). Amei-a [...] e enamorei-me dos seus encantos» (Sb 8, 2)”.