sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

= 2b A minh'alma tem sede de vós,+
minha carne também vos deseja,*
como terra sedenta e sem água!


“A minh’alma”: é esta realidade que está diante de meu Deus. Pequena, mas alvo do amor divino. Ela mesma não é capaz de compreender o incompreensível, mas foi criada para estar ante a Majestade de Amor. Ignorante de si mesma e ignorante de seu Senhor, ela foi criada para arder de amor e nisto encontra sua bem-aventurança. “Exulte o coração dos que buscam o Senhor” (Sl 105, 3). Ai de minha alma se se esquece ou se esquiva da verdade!

Entretanto esta alma quer e pode crescer em conhecimento, de si e de Deus, do mundo e do seu semelhante; e a verdade que mais a atrai, vencidas as barreiras das aparências, é Deus. Ela “tem sede de vós”. Esta sede de eternidade e de verdade dá sentido à vida do homem, um ser finito em suas potências, mas feito de aspirações pelo infinito.

Não só o espírito do homem procura um sentido, mas também sua carne, receptáculo e expressão de sua maravilhosa interioridade. Todo homem deve confessar: “minha carne também vos deseja”. Pois esta esplêndida criatura de Deus, o corpo humano, assumido pela divindade na Encarnação do Filho, foi criado para ver o Amor. A carne também é capaz de manifestá-lo e expressá-lo a tal ponto que foi querida por Deus Onipotente na plenitude de sua Revelação. Ela não é carcereira do espírito, mas sua intérprete mais fiel, e também anseia a beleza divina, como o manifesta, entusiasta, o justo Jó: “Eu sei que meu redentor está vivo e que no fim se levantará acima do pó. Mesmo com a pele em pedaços e em carne viva, eu verei a Deus. Eu mesmo o verei, e não outro; eu o verei com os meus próprios olhos. Minhas entranhas queimam dentro de mim”. (Jó 19, 25-27)

Sua sede impressionante clama pela misericórdia na confissão de sua impotência: “como terra sedenta e sem água”. As rachaduras da terra árida, como gargantas abertas, são um testemunho de sua pobreza ante o Céu "plenipresente" que pode deixar cair a água, única capaz de fechar suas fauces. Assim é o homem ante o mistério: sedento e esperançoso.

“E como invocarei meu Deus, meu Deus e meu Senhor, se ao invocá-lo o faria certamente dentro de mim? E que lugar há em mim para receber o meu Deus, por onde Deus desça a mim, o Deus que fez o céu e a terra? Senhor, haverá em mim algum espaço que te possa conter? Acaso te contêm o céu e a terra, que tu criaste, e dentro dos quais também criaste a mim? Será, talvez, pelo fato de nada do que existe sem Ti, que todas as coisas te contêm? E, assim, se existo, que motivo pode haver para Te pedir que venhas a mim, já que não existiria se em mim não habitásseis?

Ainda não estive no inferno, mas também ali estás presente, pois, se descer ao inferno, ali estarás.

Eu nada seria, meu Deus, nada seria em absoluto se não estivesses em mim; talvez seria melhor dizer que eu não existiria de modo algum se não estivesse em ti, de quem, por quem e em quem existem todas as coisas? Assim é, Senhor, assim é. Como, pois, posso chamar-te se já estou em ti, ou de onde hás de vir a mim, ou a que parte do céu ou da terra me hei de recolher, para que ali venha a mim o meu Deus, ele que disse: Eu encho o céu e a terra?”. (Santo Agostinho, Confissões I, 2)

“De muitos modos, na sua história e até hoje, os homens exprimiram a sua busca de Deus em crenças e comportamentos religiosos (orações, sacrifícios, cultos, meditações, etc.). Apesar das ambiguidades de que podem enfermar, estas formas de expressão são tão universais que bem podemos chamar ao homem um ser religioso:

Deus «criou de um só homem todo o género humano, para habitar sobre a superfície da terra, e fixou períodos determinados e os limites da sua habitação, para que os homens procurassem a Deus e se esforçassem realmente por O atingir e encontrar. Na verdade, Ele não está longe de cada um de nós. É n'Ele que vivemos, nos movemos e existimos» (At 17, 26-28).

Mas esta «relação íntima e vital que une o homem a Deus» (GS, 19) pode ser esquecida, desconhecida e até explicitamente rejeitada pelo homem. Tais atitudes podem ter origens diversas (Cfr. GS 19-21) a revolta contra o mal existente no mundo, a ignorância ou a indiferença religiosas, as preocupações do mundo e das riquezas (Cfr. Mt 13, 22), o mau exemplo dos crentes, as correntes de pensamento hostis à religião e, finalmente, a atitude do homem pecador que, por medo, se esconde de Deus (Cfr. Gn 3, 8-10) e foge quando Ele o chama (Cfr. Jo 1, 3)”. (Catecismo da Igreja Católica, 28-29)

“O bem é objeto da fé enquanto verdadeiro e objeto da esperança enquanto desejável e acessível, mas ambos dependem da caridade que tem o bem como objeto enquanto apetecível. Ninguém crê, a não ser querendo. Ninguém deseja um bem a não ser porque o ama. (...)

O intelecto é absolutamente anterior à vontade, porque o bem inteligido é objeto da vontade. Mas, no operar e no mover, a vontade é anterior. (...) Por isso, também a vontade move o próprio intelecto, enquanto é operativo, pois, nos valemos do intelecto quando queremos. Daí que o crer é o intelecto movido pela vontade (pois cremos em algo porque queremos). Segue-se que a caridade dá mais forma a fé do que o inverso. (...)

Quando as coisas são mais elevadas do que o que entende, então a vontade se eleva mais acima de onde pode chegar o entendimento. E, por isso, nas coisas morais, que estão abaixo do homem, a virtude cognitiva informa as virtudes apetitivas, como o faz a prudência em relação às outras virtudes morais. Contudo, nas virtudes teologais, que são a cerca de Deus, virtude da vontade, a saber, a caridade, informa a virtude do intelecto, a saber, a fé”. (Santo Tomás de Aquino, Questões disputadas sobre as virtudes, q. 2, a. 3)

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