domingo, 4 de outubro de 2020

Primeiros cristãos:

#1 - Igrejas domésticas (Domus ecclesiae

Na idade patrística, vários são os conceitos, sobretudo simbólicos, utilizados para identificar a Igreja. Todos eles estão relacionados com a essência eclesial que podemos identificar como "mistério de comunhão". Dentre eles, quero destacar aqui o conceito de "casa".

Nos séculos II e III, a casa ou igreja doméstica (casa católica, se quisermos uma tradução mais literal do grego) é uma estrutura fundamental e ponto de apoio para toda a evangelização antiga. Em uma época em que não existiam os templos e em que os cristãos eram perseguidos, as "igrejas de casa" eram, muitas vezes, comunidades clandestinas e perseguidas, mas vibrantes.

Já imaginou como era a liturgia, as reuniões e o culto? Tudo nas casas, com portas fechadas e lâmpadas discretas. Um verdadeiro cenário que convidava à comunhão entre a assembleia e os ministros. Nomes sabidos de cor, de coração; gestos aprendidos por imitação e muita atenção às palavras à meia voz.

Também o governo hierárquico correspondia a esta ideia de família. Cito uma frase do primeiro bispo mártir do Norte da África, são Cipriano de Cartago, assassinado em 258: "Desde o início de meu episcopado, decidi não fazer nada por minha conta, sem pedir vosso conselho e o consentimento do meu povo. Por isso, quando for até vós, então trataremos em comum o que passou e o que poderemos fazer, tal como exige o respeito mútuo" (Epístola XIV, 4).


sexta-feira, 24 de julho de 2020


Um santo alcoólatra ou um alcóolatra santo?


Numa rua de Dublin (Irlanda), na manhã do dia 7 de junho de 1925, domingo da Santíssima Trindade, um homem de roupas gastas, ao dirigir-se a uma igreja próxima, cai subitamente por terra e morre. O seu corpo conduzido ao hospital, é lavado por uma religiosa enfermeira; grande é o seu espanto quando descobre, ao tirar a roupa ao defumo, umas cadeias, com medalhas suspensas e enroladas duas vezes em volta da cintura. Outras cadeias rodeiam as pernas e os braço. Apesar de estarem oxidadas, o corpo apresenta um estado de grande limpeza. Mas, quem era esse homem? Seria um louco? 


Matt Talbot nasceu em Dublin em maio de 1856, sexto filho de uma família de doze irmãos. Ainda muito jovem, entra na escola dos Irmãos da Doutrina Cristã, onde não tem grande aproveitamento escolar. Com a idade de doze anos, começou a trabalhar numa empresa de engarrafamento de cerveja. Naquele ambiente, onde abundava o álcool, depressa é induzido pelos companheiros a “esvaziar as garrafas” (aos 12 anos!).

Ao vê-lo regressar a casa, todas as tardes, anormalmente alegre, o pai toma a decisão de o afastar desse ambiente e encontra-lhe outro trabalho. Sob sua própria vigilância ficará na área do porto e das docas. Mas a situação de Matt piora. Começa a blasfemar e desrespeitar seus pais. Para cúmulo, os novos companheiros de trabalho iniciam-no na bebida do whisky. O pai tenta persuadi-lo, inclusive, por vezes, com algum açoite, mas nada consegue. Ante o desespero dos pais, Matt afasta-se da autoridade paterna e soçobra no alcoolismo.
Felizmente que o jovem possui um grande coração. Ao compreender o desgosto que inflige ao pai, deixa o trabalho das docas e começa a trabalhar de pedreiro, para se ver livre das más companhias. Mas não consegue deixar o costume de passar as noites bebendo na taberna, regressa à casa quase sempre bêbado e gasta todo o salário na bebedeira. Afunda-se a tal pomo no vício que, por vezes, recorre ao roubo para conseguir dinheiro para manter o seu vício.

Assim, viciado e ladrão, passou anos de uma vida miserável da qual não se orgulhava e que só trazia sofrimento às pessoas que mais amava.

“O dinamismo da conversão e da penitência foi maravilhosamente descrito por Jesus na parábola do "filho pródigo", cujo centro é "O pai misericordioso": o fascínio de uma liberdade ilusória, o abandono da casa paterna; a extrema miséria em que se encontra o filho depois de esbanjar sua fortuna; a profunda humilhação de ver-se obrigado a cuidar dos porcos e, pior ainda, de querer matar a fome com a sua ração; a reflexão sobre os bens perdidos; o arrependimento e a decisão de declarar-se culpado diante do pai; o caminho de volta; o generoso acolhimento da parte do pai; a alegria do pai: tudo isso são traços específicos do processo de conversão. A bela túnica, o anel e o banquete da festa são símbolos desta nova vida, pura, digna, cheia de alegria, que é a vida do homem que volta a Deus e ao seio de sua família, que é a Igreja. Só o coração de Cristo que conhece as profundezas do amor do Pai pôde revelar-nos o abismo de sua misericórdia de uma maneira tão simples e tão bela”. (Catecismo da Igreja Católica, 1439)

Mas, um golpe da graça de Deus “vira o jogo”. Apesar de o seu estado vicioso, Matt conservava alguma decência: não andava a procura de mulheres para o prazer fácil; todas as manhãs, quaisquer que tenham sido os excessos da véspera, já estava de pé às seis horas para ir ao trabalho; e, por último, continuava fiel à Missa dominical, como aprendeu de seus pais, mesmo sabendo que não podia receber os sacramentos.
Num sábado de 1884, a graça de Deus bateu à sua porta. Desempregado há uma semana, Matt, com 28 anos de idade, se vê sem dinheiro para as bebidas. O tormento do vício parecia insuportável. Pelo meio-dia, na companhia do irmão mais novo, Filipe, encostou-se na esquina de uma rua por onde passam os trabalhadores depois de terem recebido o salário, na esperança de que algum dos conhecido “amigos de copo” o convidasse a beber. Os operários passaram, o cumprimentaram, mas ninguém o convidou. Matt sentiu-se ferido no seu amor-próprio: “Como é possível que aqueles que frequentemente convidava para uma bebida na taberna, agora não retribuíssem o favor?”
Imediatamente, regressou a casa, onde a mãe o recebeu surpreendida por vê-lo chegar tão cedo, e sem ter bebido. Quando viu a mãe (a mãe!!!), lembrou-se de quão ingrato tinjha sido para com ela. Não ajudava em nada em casa (gastava todo o dinheiro na bebida!) e agora, sente-se culpado por ter permitido esse sofrimentos aos pais, enquanto bebia de forma egoísta.

Na Irlanda daquela época era comum que um homem que pretendesse deixar o vício da bebida fizesse uma promessa a Deus. Então, após a refeição, encontrando-se só com a mãe, Matt diz de repente: “- Vou fazer meu voto de temperança”. A mãe responde, cheia de dor e de esperança: “- Pelo amor de Deus! Fá-lo, mas não o formules se não o queres cumprir! Respeite o nome de Deus!” O filho repete para si mesmo em voz alta, reflexivo: “- Pronunciá-lo-ei, então, em nome de Deus...”.
Após se ter vestido elegantemente, dirige-se ao Colégio de Santa Cruz, pede para falar com um sacerdote e se confessa. Seguindo o conselho do padre, Matt fórmula votos por um período de três meses. No dia seguinte, dirige-se à igreja de são Francisco Xavier para assistir à Missa das cinco da manhã e aí comunga. Sente-se uma pessoa renovada. Mas, ele sabe que a luta será terrível para permanecer fiel aos votos, por isso, decide comungar todos os dias e pedir força espiritual a Jesus sacramentado para ser fiel à promessa.

O momento mais difícil para ele era pela tarde, após o trabalho. Para evitar a tentação, o novo converso fazia caminhadas pela cidade. Acontece que, um dia, não resiste e entra numa taberna que estava cheia de clientes. Atarefado, o empregado parece ignorá-lo. Ofendido por esta desatenção e atordoado pela consciência sai a toda a pressa, decidido a nunca mais pôr os pés numa taberna.


“Continuarei a beber?”. Em seus passeios, Matt dá-se conta de outra dificuldade: o álcool debilitou sua saúde e, por isso, cansa-se facilmente. Então, escutando uma voz interior decide entrar numa igreja e, de joelhos diante do sacrário, põe-se a rezar, suplicando a Deus que o fortaleça. Desse modo adquire o costume de frequentar a casa de Deus. Como aqueles três meses pareciam longos! Missas de madrugada, caminhadas, visitas a Jesus na Eucaristia, tudo isso era um alívio, mas também estavam as consequências da falta de álcool: alucinações, depressão e náuseas. Estas últimas faziam daquele tempo seja um verdadeiro Calvário. Por momentos, a antiga dependência despertava, e a luta era desesperada, parecia que não iria conseguir, então ele prolongava suas orações. Um dia, de regresso a casa, deixa-se cair numa cadeira e disse com tristeza ã mãe: “É inútil, mamãe, quando se completarem os três meses voltarei a beber ...”. Mas ela reconforta-o e anima-o a rezar mais. Seguindo este conselho de forma literal, Matt toma gosto pela oração e encontra nela a salvação.

“Na Nova Aliança, a oração é a relação viva dos filhos de Deus com o seu Pai infinitamente bom, com o seu Filho Jesus Cristo e com o Espírito Santo. A graça do Reino é «a união de toda a Santíssima Trindade com a totalidade do espírito». Assim, a vida de oração consiste em estar habitualmente na presença do Deus três vezes santo e em comunhão com Ele. Esta comunhão de vida é sempre possível porque, pelo Batismo, nos tornámos um só com Cristo. A oração é cristã na medida em que for comunhão com Cristo, dilatando-se na Igreja que é o seu corpo. As suas dimensões são as do amor de Cristo”. (Catecismo da Igreja Católica, 2565)

A Missa diária foi o principal pilar de sua nova vida. Mas, em 1892, é suprimida a Missa das cinco na qual costuma comungar; a partir de então, a primeira Missa do dia seria às seis e quinze da manhã. Apesar da grande mestria que adquiriu no trabalho de pedreiro, não duvidou de mudar de emprego para não deixar a Eucaristia, começou, então, como simples servente num comercio de madeira. Lá o trabalho nunca começava antes das oito horas da manhã e trabalha carregando os caminhões. Sempre no fim do dia de trabalho, tomava um bom banho e vestia roupa limpa, pois não queria entrar na casa de Deus com a roupa suja do trabalho, e se dirigia à igreja para visitar o Santíssimo Sacramento, seu grande amigo.
Um dia, disse ao seu confessor: “Desejei muito o dom da oração, e foi-me plenamente concedido”. Daí em diante, a sua existência foi totalmente orientada para Deus, e mais especialmente para a presença real do Senhor no Sacrário.

Dizia em certa ocasião são Paulo VI: “Enquanto a Eucaristia for conservada nas igrejas e oratórios, Cristo é verdadeiramente o Emmanuel, quer dizer, Deus conosco. Porque dia e noite está no meio de nós, habita conosco ‘cheio de graça e de verdade’; ordena os costumes, alimenta as virtudes, consola os aflitos, fortalece os vulneráveis, e convida a imitá-lo todos os que d'Ele se aproximam, de modo que com o seu exemplo aprendam a ser mansos e humildes de coração, a procurar não os próprios interesses, mas os de Deus. E assim, todo o que se volte para o venerável Sacramento Eucarístico com particular devoção, e se esforce por amar com coração disponível e generoso a Cristo que nos ama infinitamente, experimenta e compreende plenamente, com muita alegria interior e proveito de espírito, quão preciosa é a vida escondida com Cristo em Deus; e sabe quão precioso é dialogar com Cristo: porque, na Terra, nada existe que seja mais doce, mais eficaz para progredir nos caminhos da santidade». (Encíclica Mysterium fidei, 03 de Setembro de 1965)

O significado das cadeias. Matt Talbot adquiriu uma grande devoção pela Mãe de
JESUS, que se manifesta diariamente com a oração do Rosário e o Ofício de Nossa Senhora.
No ano de 1912, leu o Tratado da verdadeira devoção à Virgem, de São Luís Maria Grignion de Monfort, com quem aprende a praticar a "Santa escravidão a JESUS" mediante a plena consagração pessoal e de todos os seus bens ao serviço de MARIA. Como meio prático para viver no espírito filial de união com MARIA, São Luís Maria recomenda que se use uma pequena corrente. Esse é o significado das correntes encontradas no corpo de Matt Talbot depois da sua morte.
Papa Francisco, em visita à Irlanda, beija o crucifixo que era usado por Matt.
Sendo de carácter impulsivo, Matt dificilmente suporta as blasfêmias contra o Santo Nome de Deus. Foi a reverência ao Nome de Deus que o levou a ser fiel em sua promessa. Todas as vezes que escutava o nome do Senhor ele levantava o chapéu em sinal de respeito. Ao verem aquele gesto, os companheiros repetiam os palavrões para testar sua paciência. A princípio, Matt repreende-os com dureza, depois limita-se a dizer-lhes com doçura: «JESUS CRISTO está escutando». Numa ocasião, repreende com firmeza o gerente, que foi pouco generoso com uma doação de caridade. O patrão chama-o à ordem e, no dia seguinte, Matt apresenta-se diante do gerente: “Nosso Senhor -declara- disse-me que devia pedir-lhe desculpa, é para isso que aqui estou”.
O exemplo de sua vida acabou por inspirar respeito. Além disso, demonstra ser um companheiro cordial e simpático, sempre disposto a ser o primeiro a se divertir com uma boa piada inocente.

«Você usa uma roupa muito simples».
A imitação dos antigos monges irlandeses que seguiam a tradição de são Columbano, Matt Talbot impôs-se a seguir um regime alimentar ascético, simples, como expiação dos seus pecados e como mortificação para crescer na vida espiritual. Mas, quando os seus amigos o convidam, sempre comia o mesmo que todos. Ingressou na Ordem Terceira de São Francisco, aplicando-se a imitar a pobreza de Cristo, reduzindo os gastos ao estritamente necessário e dando o restante aos mais pobres.
No início da sua conversão, tinha o hábito de fumar. Um certo dia, um companheiro lhe pediu um cigarro. Acabava precisamente de comprar um cachimbo e uma porção de tabaco, mas, como gesto heroico, entrega-lhe ambas as coisas e daí em diante nunca mais fumou. Normalmente usava uma roupa fina e gasta, um dia oferecem-lhe um terno novo; queria recusá-lo, mas o seu confessor interveio : “Talbot, usa uma roupa muito gasta, e acabam de lhe oferecer um terno novo... - Padre, prometi a Deus nunca usar um terno novo. - Mas se é precisamente Deus quem lhe envia este, Matt! replica o sacerdote. - Bom, nesse caso, se é Deus quem o envia a mim, usá-lo-ei”.
O único luxo de Matt são os livros, ocupando o tempo disponível em ler. As suas leituras preferidas eram a Sagrada Escritura e os escritos dos santos. Ao folhearem a Bíblia que se encontrava na sua casa após a sua morte, constataram que sentia certa predileção pelos Salmos, em especial pelos Salmos penitenciais, nos quais o pecador expressa a Deus o remorso pelos seus pecados, mas também a sua confiança inquebrantável na misericórdia divina: “Tem compaixão de mim, ó Deus, pela tua bondade; pela tua grande misericórdia, apaga o meu pecado. Lava-me de toda a iniquidade, purifica-me dos meus delitos .... Dá-me de novo a alegria da tua salvação (Salmo 51 [50]). Algumas das suas anotações revelam um nível de pensamento surpreendente para um homem de instrução tão rudimentar. Encontram-se as seguintes reflexões:

“O tempo da vida não é mais que uma caminhada até à morte, na qual a nenhum homem é permitido deter-se...
A liberdade de espírito adquire-se quando nos libertarmos do amor-próprio, o que faz com  que a alma esteja disposta a cumprir a vontade d e Deus nas mais pequenas coisas...
O bom uso da vontade consiste em fazer o bem, e o abuso consiste em fazer o mal...
Na meditação buscamos a Deus pela razão e pelos atos meritórios, enquanto que na contemplação o descobrimos sem esforço...”.

Esta vida de oração e de penitência é confortada por algumas graças fora do comum. Um dia, conta isto à irmã: “Que triste é comprovar o pouco amor dos homens para com Deus! ... Oh, Susana! Não imaginas a alegria que sentia na noite passada ao conversar com Deus e com a sua Santa Mãe!”; mas, ao dar-se conta de que falava de si mesmo, muda de assunto.
O período compreendido entre 1911 e 1921 é muito turbulento na Irlanda: conflitos laborais acentuados pelo desemprego e pelas greves, luta pela autonomia política, primeira guerra mundial e, finalmente, guerra entre a Irlanda e a Inglaterra. No meio dessas tribulações, Matt mantém a alma em paz, embora muito interessado com a causa dos trabalhadores. Condena sem paliativos a insuficiência dos salários dos trabalhadores casados, a quem ajuda economicamente quanto pode. Mas nunca reclama nada para si. Quando os companheiros deixam o trabalho ou são despedidos, mostra solidariedade com a sua causa.

«Dar graças ao "Grande Curador"».
Com a idade de sessenta e sete anos, Matt Talbot encontra-se fisicamente debilitado: a falta de ar e as palpitações do coração obrigam-no a reduzir a atividade. Após duas permanências no hospital em 1923 e 1925, recupera um pouco e retoma o trabalho. Durante esses ingressos, sempre que pode dirige-se à capela. A uma religiosa que o repreende pelo sobressalto que lhe causou por não o ter encontrado no quarto, responde sorrindo: “Já agradeci às religiosas e aos médicos, acaso não era justo agradecer ao ‘Grande Curador’?”. No domingo, 7 de junho de 1925, dirige-se para a igreja do Salvador. Cansado, cai no corredor. Uma mulher oferece-lhe um copo de água. Matt abre os olhos, sorri e deixa cair a cabeça: é o momento do grande encontro com Cristo, que tanto desejava. Ele não veio chamar os justos mas os pecadores (Mt 9, 13).
Em 1975, Matt Talbot recebeu o título de "Venerável". Na atualidade, numerosas obras destinadas a socorrer as vítimas do álcool e da droga têm-no como patrono.


Matt Talbot é modelo para todos os homens. Mostra às vítimas do alcoolismo ou da dependência das drogas, através do seu exemplo, que com a graça de Deus, é possível superar essas dependências. “A dependência do álcool é por vezes tão forte que as pessoas mais próximas do alcoólatra podem pensar que este nunca será capaz de a superar, e o próprio viciado tem a tentação de desesperar. Nesses momentos é bom ter presente a Ressurreição de JESUS, que nos recorda que o fracasso nunca é a última palavra para Deus” (Comissão social dos bispos da França, declaração de 1 de dezembro de 1998) .
Aos que são escravos de outros pecados (idolatria, blasfémia, aborto, eutanásia, contracepção, adultério, libertinagem, homossexualidade, masturbação, roubo, falso testemunho, difamação etc.), recorda-lhes que “nunca se deve desesperar da misericórdia de Deus”, segundo a recomendação de São Bento (Regra, cap. IV). Nosso Senhor prometeu à santa Margarida Maria que os pecadores encontrariam no seu Coração a fonte e o oceano infinito da misericórdia. Do mesmo modo que é próprio de um navio navegar sobre a água, assim também é próprio de Deus perdoar e ser misericordioso, como o afirma a Igreja numa das suas orações. Também Santa Teresinha do Menino Jesus, doutora da Igreja, escreveu o que se segue no final dos seus manuscritos: “Mesmo que em consciência tivesse todos os pecados que se podem cometer, iria, com o coração arrependido, lançar-me nos braços de JESUS, pois sei quanto ama O filho pródigo que volta para Ele”. E acrescentava de viva voz: “Se tivesse cometido todos os crimes possíveis, teria sempre a mesma confiança, sentiria que esta multidão de ofensas seria como uma gota de água numa fogueira ardente”.
A vida de Matt Talbot prova de maneira eloquente que se dirigimos com sinceridade a nossa alma ao Senhor para lhe pedirmos perdão, podemos, através do sacramento da Penitência, via ordinária de reconciliação com Deus, começar uma nova vida sob o olhar maternal de MARIA. O Venerável Matt Talbot, concede-nos a graça de confiarmos na misericórdia divina e de irmos até ao limite das exigências de um amor apaixonado por JESUS e por MARIA.

Fonte: Carta da Abadia de São José de Clairval (08 de dezembro de 2019).

ABADIA DE SÃO JOSÉ DE CLAIRVAL - 21150 - Flavigny-Sur-Ozerain - France
email: mosteiro@clairval.com - site: http://www.clairval.com/

domingo, 5 de julho de 2020



Sobre a Igreja e a leitura da Bíblia


"Não se leva o cristianismo a um país descarregando caixas de Bíblia em um porto, mas é necessário estar disposto a morrer por ele (o Evangelho), é preciso pregá-lo de palavra e de obra, e não contentar-se em enviar Bíblias em vez de a si mesmo. Como é possível errar até chegar a este nível? Não seria este o resultado de um tempo que não sabe nada sobre como pregou Jesus o Evangelho, como o pregaram os Apóstolos e como derrubaram o paganismo?

(...)

Eu não quero fomentar a separação entre Bíblia e Igreja, mas a união entre uma e outra. Não quero tirar a Bíblia dos fiéis, mas muito menos quero tirar os fiéis da Igreja. A experiência de que a leitura popular da Bíblia fez aparecer grande erros, procede de que não se pregou antes o Evangelho nas Igrejas onde os erros apareceram. A causa, então, não foi a Bíblia, mas a má educação cristã dada pelos eclesiásticos. De modo que de um mal saiu outro".

(Möhler, Johann Adam "Anexo 3/8. Sobre la Igresia y la lectura de la Biblia" (1825) La unidad de la Iglesia. El principio del catolicismo expuesto según el espíritu de los Padres de la Iglesia de los tres primeros siglos, Ediciones Eunate, Pamplona 1996, 455).

sábado, 4 de julho de 2020






Contra aqueles que supostamente "historizam" a invenção de uma nova Igreja diferente daquela fundada por Nosso Senhor.


   "Um historiador termina por projetar-se sobre o tempo ou pessoa que estuda. Como poderia, de outro modo, formular uma imagem do tal tempo ou pessoa?

   Entretanto, na historia da Igreja cristã, acontece algo a mais, e muito particular. Não somente trazemos em nós mesmos uma clara imagem do objeto, como a levará também aquele que se esforçasse em escrever a história dos gregos, mas também propriamente vivemos o cristianismo no tempo, e ele vive nós, pois o cristianismo em geral é uma questão de vida e a história da Igreja é o desenvolvimento desta vida.

   Assim, aquele que disser que o cristianismo poderá perecer em algum momento ou que já se perdeu, ou que a Igreja 'se fez outra' ou que poderia 'fazer-se outra', não é capaz de escrever história. Em todos os tempos, desde que Cristo fundou a Igreja, tanto o cristianismo como a Igreja sempre foram os mesmos, e continuarão sendo, porque Ele foi, é e será sempre o mesmo. Logo, o homem que vive agora, e vive realmente, na Igreja, será capaz de viver também os primeiros tempos desta Igreja e os compreenderá, porém aquele que não vive na Igreja atual também não viverá na antiga e primitiva, nem a compreenderá, pois tanto uma como a outra são uma mesma e única coisa".

(Möhler, Johann Adam "Anexo 1. El primer proyecto de prólogo" (1825) La unidad de la Iglesia. El principio del catolicismo expuesto según el espíritu de los Padres de la Iglesia de los tres primeros siglos, Ediciones Eunate, Pamplona 1996, 420-421).

Johann Adam Möhler - Wikipedia
Johann Adam Möler (1796-1838)

Qual é o tema, padre Ruy?
O tema é o divórcio moderno entre fé e ciência, como se uma pudesse obscurecer a outra, o que seria necessariamente uma confissão de que, pelo menos, faltaria a verdade em uma das duas.

- Se falta a verdade na ciência e esta investe contra a fé verdadeira, estamos diante de um preconceito cientificista que reduz a verdade às suas específicas capacidades de investigação.
- Se falta a verdade na fé e esta investe contra a ciência verdadeira, estamos diante de um fideísmo que é tanto mais cego quanto mais se faz anti-humano, porque é próprio do homem buscar a verdade.
- Se falta a verdade em ambas, então é ocioso continuar esta discussão, que tornar-se-ia absurda.

ENTRETANTO, se ambas são vias de acesso válido para a verdade, não há porque temer que o rigor da ciência contradiga a firmeza da fé, nem que a firmeza da fé desprestigie um método verdadeiramente científico.
A exclusão deste propugnado divórcio, contudo, se demonstra na ausência da constante tendência de que uma tome como missão pessoal encontrar falhas na outra. A solução é um caminho sereno, e sério, de busca da verdade que, por si só, se purifica cada dia como o próprio Autor da verdade é puro.

ASSIM, a História da Igreja não tem porque ser apologética contra fatos, nem seletiva colecionadora de fatos que contradizem a fé estabelecida, mas suficientemente abrangente para conjugar ambas linguagens. De modo que aqueles que não tem fé católica, se abstenham de escrever história da Igreja! Pois seria o mesmo que alguém pretendesse escrever uma poesia de sincero amor a um desconhecido, ou idealizará ou desistirá. Não acertará a forma. Não comunicará a verdade. Só desinformará. Ou será precisamente a desinformação e a mentira o seu objetivo? Neste caso, é inútil continuar esta discussão.

quinta-feira, 11 de junho de 2020


Há críticas que soam a elogio


   Outro dia vi uma matéria sobre a publicação de uma nova biografia de são João Paulo II. Como ele foi inegavelmente uma das maiores personalidades do século XX e um grande sacerdote, reconhecido como santo tanto em sentido institucional como comunitário, resolvi ler a reportagem.

   Trata-se de uma matéria de um site de notícias que se identifica como “católico independente”, o que entendi como “não institucional”, pois de outro modo seria uma contradição entre termos. Afinal, se todo ser vivo neste planeta está em um sistema de dependências, e até o super poderoso coronavírus depende de um outro organismo em uma relação de vida ou morte, muito mais alguém que ostenta um título deve entender-se dependente sob pena de ser ou uma farsa maldosa, ou um lamentável autoengano, ou um simples equívoco.

   O título do livro comentado é Jean-Paul II, l’ombre du saint (João Paulo II, a sombra do santo). Entre as críticas da biografia citadas textualmente pela matéria está: “no rearmamento doutrinal que o papa estava realizando, não havia espaço para dúvidas. As verdades do catecismo foram reafirmadas com firmeza. A moralidade, especialmente aquela referente à afetividade e à sexualidade, foi restabelecida com firmeza. E não houve a necessidade de repensar os sacramentos em nome da missão”, e entre os ataques pessoais: “Eis ele aqui, brincando de Cristo, ascendendo, pouco a pouco, ao Gólgota” e “quando um papa, sobrecarregado de doenças, não se queixa, quem poderá dizer que a missão é demasiado pesada, que o sacrifício é demasiado grande?”.

Vi Satanás cair do céu como um raio” | Papa joão paulo segundo ...   Preciso confessar que fiquei edificado. Realmente a um homem se aquilata não somente pelas causas que defende, mas também pelos inimigos que angaria. Há críticas que soam a elogio: “rearmamento doutrinal”, “verdades do catecismo”, “moralidade”, “um papa sobrecarregado de doenças que não se queixa”.

   Apesar da invejável firmeza na fé dos autores, que sobreviveu a 26 anos do pontificado de são João Paulo II, pelo que concluo provavelmente não foi tão ruim assim, creio que não lerei o livro anunciado. 

   Mesmo que venham outras quarentenas compulsórias, já aprendi que não sou capaz de ler tudo e, no que diz respeito aos santos, prefiro suas numerosas luzes às suas sombras, que sem dúvida existiram.

   Ainda que... pensando melhor, talvez eu o leia e redescubra, sob outra ótica, este gigante polaco que fez do seu corpo uma cruz e da sua história, uma pedra de toque permanente para consciências.

Vídeo recomendado: https://www.youtube.com/watch?v=l7Voz3aV2dM

PD. À propósito, muitas das críticas acima aludidas não foram "falhas", mas metas planejadas, como disse o santo em sua primeira radiomensagem. Metas às quais aprouve a Deus dar bom término. Bendito seja Deus!

"Veneráveis Irmãos e Filhos caríssimos, é óbvio que a fidelidade significa também adesão convicta ao Magistério de Pedro especialmente no campo doutrinal, cuja importância objectiva não só deve sempre ser tida em vista, mas também ser defendida por causa das insídias que, de várias partes, se levantam hoje contra certas verdades da fé católica. Fidelidade significa também respeito pelas normas litúrgicas, vindas da Autoridade eclesiástica, e exclui portanto quer os arbítrios de inovações injustificadas quer as rejeições obstinadas do que foi legitimamente previsto e introduzido nos sagrados ritos. Fidelidade significa ainda observância da grande disciplina da Igreja, e também isto - como recordareis — foi indicado pelo Nosso Predecessor. A disciplina, de facto, não tende a suprimir o que é bom, mas a garantir a justa ordem própria do corpo místico, como a garantir a regular e fisiológica articulação entre todos os membros que o formam. Fidelidade significa ainda correspondência generosa às exigências da vocação sacerdotal e religiosa, de maneira que tudo o que livremente se prometeu a Deus seja mantido sempre e seja desenvolvido numa perspectiva sobrenatural estável". (17/10/1978)

domingo, 7 de junho de 2020


Pensamentos de Pascal




«O homem não passa de um caniço, o mais fraco da natureza, mas é um caniço pensante. Não é preciso que o universo inteiro se arme para esmaga-lo: um vapor, uma gota de água bastam para matá-lo. Mas, mesmo que o universo o esmagasse, o homem seria ainda mais nobre que quem o mata, porque sabe que morre e a vantagem que o universo tem sobre ele; o universo desconhece tudo isso. Toda a nossa dignidade consiste, pois, no pensamento. Daí que é preciso nos elevarmos, e não do espaço e da duração, que não podemos preencher. Trabalhemos, pois, para bem pensar; eis o princípio da moral».

«Caniço pensante – Não é no espaço que devo buscar minha dignidade, mas na ordenação de meu pensamento. Não terei mais, possuindo terras; pelo espaço, o universo me abarca e traga como um porto; pelo pensamento, eu o abarco»

- PASCAL, Blaise (1670) Pensées, VI, §347 e §348.



quinta-feira, 7 de maio de 2020


Em quarentena.


  Nestes dias o despertador não tem tocado. Levanto-me antes do horário. Não deixo esse esboço de sepulcro me horizontalizar nem mais um minuto! Nunca gostei muito de chá de cama pela manhã.
  O passo entra gasto no banho e sai novo e cantando. Em geral são as 7h quando isso acontece. Quarto arrumado... hora de subir ao altar.
  Primeiro, a oração das horas e, logo, arrumo o altar para a celebração.
  Na sacristia estão os bilhetes: intenções, sétimos dias, santos, intenções, o país, a Igreja, pessoas, família, histórias, preocupações, preocupações, preocupações.
  Como ensina o Evangelho: “a cada dia basta o seu cuidado”.
  Agora devo cuidar somente d’Aquele que cuida de mim.
  Como olhar para Ele e não enxergar uma multidão em seu Sagrado Coração? Não sei.
  Tenho nomes, histórias, coisas que não sei, coisas que mal sei, coisas que sei mal. Levo todos comigo. Não subirei sozinho. Nunca subi sozinho ao altar.
  Enquanto me revisto, me reviso:
  “- Perdão, Senhor, pequei”.
  “- Como sou feliz por mais uma Santa Missa!”
  “- Ajudai-me, Jesus, meu amigo”.

  “- SEMPRE”.

  Os bancos da capela são poucos e estão todos vazios. Ainda bem que o isolamento social não chegou à sociedade da comunhão dos santos. Lembrei de uma história que ouvi há muito tempo: As igrejas são altas para que não falte lugar aos anjos.
  “- Meu anjo da guarda, doce companhia, não me faltes nunca, nem de noite, nem de dia”.
  Duas fileiras de bancos formam um corredor curto. Ouço os meus próprios passos que ecoam. Outra vez penso que estou só:
  “- Venha a fé, por suplemento, os sentidos completar!”
  Olho para o altar e me emociono. Ali está o Solitário solidário. Meu amor de braços abertos, entre o céu e a terra... só.
  “- Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
  Eco e silêncio.
  Quem disse que o amor é sempre doce, errou. Ele é sempre quente. Nem tudo que é vivo é doce.
  Peço perdão com a alma naquela cruz e já não estou sozinho. A partir de agora, tudo é companhia: as leituras, o salmo, a meditação, as preces. Esta é a parte da missa que sempre foi mais pública.   Também as preces têm seu caráter universal, mas o silêncio do ofertório me faz sentir outra vez um eco na alma. Neste espaço vazio, sinto como se estivesse entre o céu e a terra... só.
  Comparecem o pão e o vinho, e começa o memorial. As oblatas são mudas. Nós lhes damos voz:
  “- Fruto da terra e do trabalho”. “- Fruto da videira e do trabalho”. “- Bendito seja o Senhor para sempre”.
  E a água? Tão humilde e tão generosa, ela limpa as mãos deste pobre pecador.
  Recito um canto e a alma solfeja cada uma das palavras.
  Chegamos às letras maiúsculas: “Tomai todos e comei!”. “Tomai todos e bebei”.
  É maiúsculo o momento. Eu Te olho:
  "- Estás vivo!"
  Tu me olhas e não há dúvida. Graças a Deus!
  “- Como sou feliz por mais uma Santa Missa! Viestes para todos, mas não todos estão aqui”.

  “- SEMPRE”.

  O Sangue molha o Corpo. “Olharão para aquele que traspassaram e baterão no peito, como em dolo pelo filho único”.
  “- Senhor, que esta comunhão não seja para mim causa de juízo e condenação, mas, por vossa bondade, seja sustento e remédio para a minha vida”.
  A Missa sempre será uma festa e um drama. Ainda que a mesa esteja repleta, sempre há um lugar vazio: Muitos os convidados... poucos os comensais.
  É o mesmo drama desde a primeira missa. O Senhor sempre o viu. Eu, no entanto, nem sempre o vi. Como estou longe de ter os mesmos sentimentos de Cristo!
  Limpo a patena e vejo que reflete luz. Alguns arranhões. Tomo cuidado ao recolocar o cálice.
  Silêncio.
  “- Oremos!”
  “- Deus eterno e todo-poderoso, que, pela ressurreição de Cristo, nos renovais para a vida eterna, fazei frutificar em nós o sacramento pascal e infundi em nossos corações a fortaleza desse alimento salutar. Por Cristo, nosso Senhor. Amém.”
  “- Que esta benção chegue a todos os que mais a necessitam!”
  Confesso que é um alongamento cardíaco celebrar a Santa Missa. É como se o coração criasse mil braços e tentasse alcançar sempre mais longe, sempre mais longe, sempre mais longe.
  Dou um beijo sobre o linho do altar e instintivamente começo a cantarolar: “- Maria de Nazaré. Maria me cativou. Fez mais forte a minha fé e por filho me adotou”.
  Tudo pronto. Tudo guardado.
  Agora preciso esperar uns minutos para que a alma se acomode e seja capaz de agradecer.
  “- Ajudai-me, Jesus, meu amigo.
  - Senhor, eu fiz o que me mandastes. Sou um servo inútil. E ainda assim me convidais para esta santa ceia”.

 “- SEMPRE”.



quarta-feira, 25 de março de 2020


Solenidade da Anunciação


   Hoje celebramos a Solenidade da “Anunciação”. Este título indica um fato histórico descrito no Evangelho de são Lucas (cf Lc 1, 26-38): O Anjo Gabriel anunciou a Maria que ela seria a Mãe do Salvador.

   Isto é um fato surpreendente! Deus, que contrariou o Rei da Davi em seu desejo de construir-lhe um templo (cf 1Cr 17, 1-15), não dá a Maria uma ordem divina, mas pede seu consentimento. Assim como deu a Adão e Eva, antes do pecado, a capacidade de escolher (cf Gn 3, 2-3), agora, diante de uma Virgem que foi concebida sem pecado, ou seja, na mesma condição de nossos primeiros pais, também deu a Maria a capacidade de eleger. Deus pede o consentimento a Maria.

   E ela disse: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a vossa Palavra” (Lc 1, 38). E, como diz o Evangelho de são João: “O Verbo se fez carne, e pôr sua tenda entre nós” (Jo 1, 14).

   Este é o grande milagre que celebramos hoje. Mas, neste momento, ele está escondido a todos os mortais. E inclusive a totalidade dos anjos. Santo Inácio de Antioquia (séc I-II), discípulo direto de do apóstolo são João, o declara: "E permaneceram ocultos ao príncipe desse mundo (Satanás): A virgindade de Maria e seu parto, bem como a morte do Senhor - três mistérios que devem ser proclamados - realizados no silêncio de Deus". (Aos Efésios, 19)

   E porque Deus quis se ocultar no seio de Maria, deixando, ao princípio, que a luz de sua graça aparecesse somente nela, pelo que disse sua parente Isabel: “Quando a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança estremeceu de alegria no meu seio” (Lc 1, 44). Os cristãos comparam a Santíssima Virgem à estrela da manhã, pois é a estrela brilhante que anuncia o grande sol que virá.

   Como “Maria” é a mesma utilizada para o plural de “mar” em latim (mar, maris – maria), a cristandade uniu estes dois significados: Maria a estrela, a estrela do mar. Ponto de referencia para os navegantes durante a noite, mas que humildemente se esconde ante o fulgor inigualável do sol na abóboda celeste.

   Hoje podemos, então, ao celebrar a “Anunciação” rezar unidos a tantos cristãos que durantes mais de mil anos invocam Maria como estrela do mar, sinal seguro do salvador, estrela que aponta a Cristo, que é o porto seguro de nossa salvação.

   Primeiro com a poesia sem igual de são Bernardo de Claraval, século XII, e logo com um tradicional hino cristão: “Ave, Maris Stella” (Ave, Estrela do Mar).


Oração a Maria, Estrela do Mar
(São Bernardo de Claraval)

      E o nome da Virgem era Maria (Lc. 1, 27). Falemos um pouco deste nome que significa segundo se diz, Estrela do mar, e que convém maravilhosamente à Virgem Mãe. .... Ela é verdadeiramente esta esplêndida estrela que devia se levantar sobre a imensidade do mar, toda brilhante por seus méritos, radiante por seus exemplos.

      Ó tu, quem quer que sejas que te sentes longe da terra firme, arrastado pelas ondas deste mundo, no meio das borrascas e tempestades, se não queres soçobrar, não tires os olhos da luz desta estrela.

       Se o vento das tentações se levanta, se o escolho das tribulações se interpõe em teu caminho, olha a estrela, invoca Maria.

       Se és balouçado pelas vagas do orgulho, da ambição, da maledicência, da inveja, olha a estrela, invoca Maria.

       Se a cólera, a avareza, os desejos impuros sacodem a frágil embarcação de tua alma, levanta os olhos para Maria.

       Se, perturbado pela lembrança da enormidade de teus crimes, confuso à vista das torpezas de tua consciência, aterrorizado pelo medo do Juízo, começas a te deixar arrastar pelo turbilhão da tristeza, a despenhar no abismo do desespero, pensa em Maria.

       Nos perigos, nas angústias, nas dúvidas, pensa em Maria, invoca Maria.

       Que seu nome nunca se afaste de teus lábios, jamais abandone teu coração; e para alcançar o socorro da intercessão dEla, não negligencies os exemplos de sua vida.

       Seguindo-A, não te transviarás; rezando a Ela, não desesperarás; pensando nEla, evitarás todo erro.

       Se Ela te sustenta, não cairás; se Ela te protege, nada terás a temer; se Ela te conduz, não te cansarás; se Ela te é favorável, alcançarás o fim.
E assim verificarás, por tua própria experiência, com quanta razão foi dito: "E o nome da Virgem era Maria".


Ave, Maris Stella

Ave, do mar Estrela
De Deus mãe bela,
Sempre virgem, da morada
Celeste Feliz entrada.

Ó tu que ouviste da boca
Do anjo a saudação;
Dá-nos a paz e quietação;
E o nome da Eva troca.

As prisões aos réus desata.
E a nós cegos alumia;
De tudo que nos maltrata
Nos livra, o bem nos granjeia.

Ostenta que és mãe, fazendo
Que os rogos do povo seu
Ouça aquele que, nascendo
Pos nós, quis ser filho teu.

Ó virgem especiosa,
Toda cheia de ternura,
Extintos nossos pecados
Dá-nos pureza e bravura,

Dá-nos uma vida pura,
Põe-nos em vida segura,
Para que a Jesus gozemos,
E sempre nos alegremos.

A Deus Pai veneremos:
A Jesus Cristo também:
E ao Espírito Santo; demos
Aos três um louvor: Amém.



Ave, Maris Stella,
Dei mater alma,
Atque semper Virgo,
Felix caeli porta.

Sumens illud Ave,
Gabrielis ore,
Funda nos in pace
Mutans Evae nomen.

Solve vincla reis,
Profer lumen caecis,
Mala nostra pelle,
Bona cuncta posce.

Monstra te esse Matrem,
Sumat per te preces,
Qui pro nobis natus
Tulit esse tuus.

Virgo singularis,
Inter omnes mitis,
Nos, culpis solutos,
Mites fac et castos.

Vitam praesta puram,
Iter para tutum:
Ut, videntes Jesum,
Semper collaetemur.

Sit laus Deo Patri,
Summo Christo decus
Spiritui Sancto,
Tribus honor unus. Amen.