sábado, 4 de março de 2017

Homilia para o 1o Domingoda Quaresma, Ano A





O Pecado original – A solidariedade no pecado e na graça – As tentações do deserto

O início da Quaresma muda completamente o tom de nossa oração eclesial, a liturgia, a oração pública dos filhos e filhas de Deus.

Começamos o Ano litúrgico com os mistérios gozosos de nossa fé, mistérios que circundam o nascimento do Filho de Deus. Logo depois, passamos ao início da vida pública de Cristo, mistérios luminosos. Mas agora, o tom da liturgia nos transporta aos mistérios dolorosos: a cor é o roxo, as orações e os gestos são mais sóbrios e a música deve ser mais amena.

Tudo isso para que recolhendo os sentidos externos, despertemos os sentidos interiores e os preparemos para o campo de batalha mais importante de nossa vida: o campo de batalha do coração. Afinal, não é do coração que saem todas as más ações (cfr. Mt 12, 34 e 15, 18-19 e paralelos) e também os bons propósitos. Se ganharmos nesta primeiríssima arena, teremos também êxito no exterior.

Deste lugar mais interior, e também mais sincero, podemos dizer com o Rei Davi:

“Eu reconheço toda a minha iniquidade,/ o meu pecado está sempre à minha frente./ Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei,/ e pratiquei o que é mau aos vossos olhos!
Criai em mim um coração que seja puro,/ dai-me de novo um espírito decidido./ Ó Senhor, não me afasteis de vossa face,/ nem retireis de mim o vosso Santo Espírito!”

É bom que este clima litúrgico passe também para nossas casas, nossa família e nosso trabalho: gestos de amor e paciência com os mais inoportunos, trabalho duro oferecido a Deus e até mesmo o lazer pode ser menos egoísta, programado para alegrar os nossos, mais do que nos confortar, por exemplo.

O fato é que precisamos dar a Deus este tempo de penitência quaresmal porque temos uma dificuldade natural de perceber nossos pecados. Diria inclusive que hoje é ainda mais necessário falar de penitência, porque é muito difícil para o homem moderno entender o que é o pecado. O tempo todo somos convidados – pela propaganda, pelo cinema e pela internet – a acariciá-lo, piscar-lhe com um dos olhos e colocar nosso valor pessoal na malícia do pecado.

Entretanto, não adiante dizer que “as coisas estão mal”. Isso não muda nada!  Se quisermos ser fieis a Deus, sejamos fieis na luta pela conversão do nosso coração, para podermos amar a Deus e amar o irmão.

Hoje lemos o Evangelho das tentações de Cristo no Deserto. E ensina São Leão Magno: “[Cristo] combateu para ensinar-nos a combater. Venceu para que nós, do mesmo modo, sejamos também vencedores. Pois não há ato de virtude sem a experiência das tentações, nem fé sem prova, nem combate sem inimigo, nem vitória sem batalha” (Sermão na Quaresma 1, 3  século V).

Poderíamos fazer uma semana de retiro para entender bem a questão da maldade do pecado, que se revela em Jesus morto na cruz, e a batalha da tentação, que é a escola da fidelidade de todos aqueles que querem servir a Deus de verdade, mas isso mereceria um estudo mais profundo. Queria então nesta homilia que entendêssemos um pouco melhor a batalha de Cristo, que é também a nossa batalha de todos os dias.

O demônio tentou a Cristo de três maneiras: pela pobreza, pela vanglória e pela ganância: ter, ser mais e poder. (Cfr. São Gregório Nazianzeno, Discurso 40, 10 – século IV)

Primeiro o “ter”. Quando o Evangelho fala que Jesus teve fome, talvez o texto tenha posto a deixa para que o tentador aparecesse. Mas quem nunca teve fome? E a fome é só um símbolo. Estamos falando aqui de nossas necessidades. Nós somos seres necessitados e frágeis. E o demônio se aproveita de nossa fraqueza para aguçar ainda mais os nossos sentidos, dando-nos a impressão de que poderemos ter o paraíso neste mundo se estivermos simplesmente “satisfeitos”. Quantas vezes nós não trabalhamos só por isso?! Por estar satisfeitos. E, nesta luta, irritamos os próximos, cedemos em pequenas e grandes mentiras, nos fechamos no egoísmo e... ao final, continuamos insatisfeitos.

Jesus eleva nossa cabeça quando diz que “Não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus!” Assim, para vencer o demônio, jejue um pouco mais nesta quaresma. Quando estiver jejuando, Deus continuará falando ao seu coração.

Segundo o “ser mais”. É a tentação dos aplausos, do inchaço do orgulho. É bom lembrar que inchaço não é verdadeiro crescimento, é só aparência. E para “inchar-nos” o inimigo arma palcos para nós. Para Jesus, ele escolheu o Templo de Jerusalém. Interessante que ele sugeriu: “lança-te daqui a baixo!”. É triste, mas é verdade. Quando uma pessoa quer viver pelos aplausos ela acaba se rebaixando. Penso nos artistas que expõe ao ridículo para atrair o público. Estes Big Brothers da TV, que expõe as pessoas e as contrapõe, estes vídeos e câmeras de internet que são a ante sala do inferno. Parece que a plateia sempre está a procura de quem se jogue no abismo para tirar umas fotos, quem sabe alguns “selfs”?

Jesus recorda nossa dignidade. Não precisamos expor-nos para ganhar aplausos na terra, se Deus pede que nos guardemos para chegar às glórias do Céu.

Por último, o “poder”, a ganância. Sobre este eu não preciso dizer muito, porque como é uma tentação muito ousada, sempre revela o rabo do seu autor. É na busca de poder que os homens mostram sua careta mais horrível. As máscaras caem. E tem gente que adora até ao diabo. Tantas histórias antigas assim, não é? De pessoas que venderam a alma ao inimigo por causa do poder. Eu conheço um monte. Hoje também tem gente disposta a dar a alma ao diabo por causa do poder. Abre os jornais e você vai ver. Poderíamos dizer que mais do que operação Lava Jato a agente precisa é de uma operação água benta.

Jesus nos salva ele ordena: “Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto”. Tomara que neste tempo de Quaresma a voz de Deus fale mais alto que a do demônio em nossas famílias, em nosso trabalho e em nossas comunidades: “Vai-te embora ganância dos infernos!”