quinta-feira, 10 de agosto de 2017

sábado, 5 de agosto de 2017

sábado, 24 de junho de 2017

PARTILHA SACERDOTAL - 2017




Caro Dom Edney, nosso Bispo. Caros irmãos sacerdotes.

Há dois anos, no Seminário Diocesano realizamos um Simpósio que, dentre os autores escolhidos, tinha o poeta brasileiro Manoel de Barros. Aproprio-me de um de seus poemas para iniciar esta partilha.

TRATADO GERAL DAS GRANDEZAS DO ÍNFIMO
A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

(Manuel de Barros)

Usei desta poesia para pedir que tenham paciência comigo.

Pois, tenho diante de mim meus formadores, professores, diretores espirituais, mestres, vigários, bispo... e eu com minhas profundidades de inexperiência, mas com grande vontade de aprender. Eu quero aprender dos senhores, meus irmãos.

Entendo que querer aprender e reconhecer minha “imbecilidade” é muito sacerdotal. Em teologia chamam isso de discipulado e Aparecida colocou esta palavra em evidência para todos os cristãos: discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida! Está lançado o desafio do “não saber para poder aprender!”.

Ouvi uma vez de um irmão que está aqui: “Não se levante para ensinar, aquele que não se sentou para aprender”.
Por obediência, então. Venho aqui só partilhar.

Gosto muito de um dos trechos do livro do profeta Isaías, que compõe o Terceiro canto do Servidor.

“Toda manhã ele me desperta meus ouvidos.
Para que, como bom discípulo eu preste atenção.
O Senhor Deus abriu-me os ouvidos, e eu não fiquei revoltado, para trás não andei.”
(Is 50, 4-5)

Este é o misterioso “Servo sofredor” do livro do profeta Isaías. Vejo aqui que discipulado e serviço são, de fato, conceitos que tem muito a ver um com o outro.

No deserto dos primeiros “pais da espiritualidade monástica”, o discípulo era aquele que se colocava a serviço de um ancião. Ao mesmo tempo que servia, aprendia. E chorava quando não tinha mais um pai espiritual a quem recorrer.

Para nós, sacerdotes, aprender também é um serviço. Por isso custa trabalho, dedicação, alguns sofrimentos e pouca recompensa imediata, e é um caminho que só é possível fazer consumindo enormes quantidades de “esperança”. Este é um combustível imprescindível para o discípulo.

O Papa Francisco cita um trecho cheio de esperança do livro das Lamentações na Evangelii Gaudium:

“Gravei tudo isso em minha mente, é está minha esperança.
Há bondade no Senhor, sem fim, misericórdia que não acaba!
Hoje e sempre está se renovando sua grande fidelidade.
Herança minha é o Senhor – eu digo – por isso, nele espero.
Imensa é a bondade do Senhor, com quem o espera e procura.
Importante é aguardar em silêncio o socorro do Senhor!” (Lm 3, 21-26)

Imagino que todos aqui tenham tido, ou estejam tendo, as “inexperiências” que partilharei agora. Peço a Deus que seja de alguma utilidade a patilha.

Quantas vezes quebrei a cara! Precisei aprender tentando e sem saber como fazer ou por onde ir no aqui e agora de ser padre.

Já não tinha os conselheiros sempre à mão do tempo do Seminário e todos cobravam simplesmente de mim a sabedoria e ciência de um sacerdote experiente. Descobri, por isso, minha grande capacidade de errar tentando acertar! Sem contar os pecados...

Mas todas essas “inexperiências” continuam me ajudando sempre que penso sobre elas diante de Deus, diante do meu confessor (e aqui tenho tantos confessores para me ouvirem hoje).
Mas nenhuma delas me ajuda quando as penso, sozinho e sem Deus, diante da cobrança dos homens ou das maluquices autoritárias da minha autossuficiência.

Enquanto saber das coisas, ter muita sabedoria, me lembra o que eu espero no céu o “não saber”, me remete não ao inferno (não é pra tanto!), Mas ao deserto.

Eu tenho uma grande admiração pelo deserto, tanto o deserto bíblico, quanto o da tradição espiritual da nossa Igreja. E Dom Edney e meus amigos mais próximo sabem disso.

O Papa Francisco fala também sobre isso na Evangelii Gaudium, quando diz assim:

“Mas «é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós.
No deserto, é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida;
Em todo o caso, lá somos chamados a ser pessoas-cântaro para dar de beber aos outros.
Às vezes o cântaro transforma-se numa pesada cruz, mas foi precisamente na Cruz que o Senhor, trespassado, se nos entregou como fonte de água viva.
Não deixemos que nos roubem a esperança! ”. (Cfr. n. 86)

Animado, portanto, vou com coragem por onde não sei, para chegar ao que não conheço, realmente não conheço! Mas desejo do fundo do meu coração: fazer a vontade de Deus, onde espero encontrar minha verdadeira alegria de existir e ser padre.

1.     Primeira coisa que não sei: como manter a unidade fraterna?


Quando, há seis anos, recebi de Deus, pelo Bispo, o sacramento da Ordem fui inserido num presbitério. Fico feliz quando penso que ganhei muitos irmãos ao receber também a graça de ser sacerdote.

No tempo que sou padre, meus irmãos são minha grande alegria. Graças a Deus, até por causa das missões que até hoje tenho desempenhado, passei muitos poucos dias sem ver outro padre na minha frente. Primeiro no Gabinete e na Paróquia, e agora no Seminário. E, com muita alegria tenho que dizer que isso é um bálsamo para mim.

Os padres da nossa Diocese são alegres, positivos. Mesmo quando estamos pesarosos por algum problema, somos fraternos. Infelizmente não conheço intimamente a todos, nem tenho afinidade com todos, também não sei se isso é possível para mim, mas sempre vejo um padre como alguém que me traz alegria.

Agora, entre gostar de todos e ser “irmão” de todos, me parece que há um grande abismo.

A começar pelo modo como falamos e ouvimos falar uns dos outros.

O Papa Francisco fala sempre desse assunto, provavelmente porque deve ser algo mais cotidiano do que somos capazes de nos dar conta no nosso dia-a-dia.

Querer bem implica cobrir com o manto da caridade as faltas do irmão e procurar elogiar as virtudes que ele tem.

Uma vez um leigo me ensinou em uma confissão que só quem ama de verdade é capaz de chorar com nossas dores, sem demagogia e segundas intenções, e também é capaz de se alegrar com nossas alegrias, sem inveja ou dissimulação. Esta é uma escola difícil. Já passei da idade de achar que isso é algo natural. Percebo que isso é algo que se aprende.

Seremos mais fraternos quando formos assim! Disso eu sei.

2.     Um segundo “não saber” que tem a ver com o primeiro: Como escapar do intimismo espiritual da nossa cultura?


Nos encontros de formadores este é um assunto que sempre sai. Vivemos uma cultura e uma espiritualidade muito intimista. Um padre perguntou sobre isso ao Papa Francisco, em 2014. Vou ler uns trechos do que ele respondeu:

Ouve-se dizer que este é um tempo no qual a religiosidade diminuiu, mas não acredito muito. Porque há estas correntes, estas escolas de religiosidade intimistas, como os gnósticos, que fazem uma pastoral semelhante a uma oração pré-cristã, uma oração pré-bíblica, uma oração gnóstica, e o gnosticismo entrou na Igreja com estes grupos de piedade intimista: chamo a isto intimismo. O intimismo não faz bem.
Há religiosidade, sim, mas uma religiosidade pagã, ou até herética; não devemos ter medo de pronunciar esta palavra, porque o gnosticismo é uma heresia, foi a primeira heresia da Igreja. (Cfr. 26/07/2014)

E acho que estamos em pleno tempo dos gnosticismos, muito sentimento, muitas pessoas “divinizadas” ou “canonizadas” antes da hora. É verdade! Parece que nossos irmãos leigos gostam mais das piadas do que da verdade. Estão mais preocupados com a aparência do que com a essência. Preferem o bem-estar à incomoda missão de nadar contra a corrente e fazer o que é certo, cumprir o seu dever!

Mas eu também estou nesta cultura e tudo isso me afeta. Recebo todos os anos jovens no Seminário que são cada vez mais reféns disso, muito mais do que eu, eu percebo. Mas eu também estou neste barco.

Como escapar do intimismo espiritual da nossa cultura?

Já ouvi muitas teorias, mas na prática estamos todos no mesmo barco. Talvez algumas ideias, ou pior, ideologias, nos dividam, mas precisamos lutar contra estes inimigos “anti-cristos” de nossa cultura: a superstição, a superficialidade, a idolatria da autorrealização e do bem-estar, e a fuga dos problemas concretos do outro.

3.     Uma coisa puxa a outra e uma terceira perplexidade deste vosso irmão mais novo é: como ser pai espiritual?


Meu sonho sempre foi ser pai. Tenho uma ótima relação com meu pai e talvez seja por isso. Recebi muitos puxões de orelha quando criança, mas sempre admirei meu pai: suas muitas virtudes são minhas sempre atuais motivações. Percebo que meu pai é fecundíssimo tanto por ter me dado a vida, quanto por ainda fazer germinar em mim muitas sementes de vida. Sem essa boa experiência, facilmente eu seria esmagado pelos percalços da vida.

A partir do meu pai, conheci a Deus como Pai. Ouvindo tanta gente nos dias de hoje sinto-me verdadeiramente privilegiado por ter uma boa figura do pai da terra, para chegar a compreender e conhecer melhor o Pai do Céu.

Mas agora é minha vez! Eu preciso ser pai, fecundíssimo, cheio de vida para dar vida e guiar a vida de outros. Mas isso é um mistério muito grande para mim. É pela força do Espírito Santo, assim eu o aprendi, assim quero crer e, confesso, assim o experimento cada dia.

Mas sei também todo pai, biológico e espiritual, percebe que o filho tem necessidades que o superam. Basta conversar um momento com as famílias cristãs e nós percebemos isso. Conosco não pode ser diferente, se realmente assumimos as ovelhas como um serviço e não por interesse próprio.

Numa de suas conversas com os párocos da Diocese de Caserna, na Itália, o Papa Francisco falou sobre isso usando a palavra “criatividade” como sinônimo de fecundidade e relacionando-a com o poder de Deus Criador. Mais uma vez copio alguns fragmentos:

“Antes de tudo — e esta é a condição, se quisermos ser criativos no Espírito, ou seja, no Espírito do Senhor Jesus — não há outro caminho, a não ser a oração. Um Bispo que não reza, um sacerdote que não reza fechou a porta, fechou o caminho da criatividade.
Não só a oração do Ofício divino, mas a liturgia da Missa, tranquila, bem feita com devoção, a oração pessoal com o Senhor.
É o Senhor que diz: «Vai aqui, vai ali, faz isto...», suscita-te aquela criatividade que tantos Santos pagaram cara.
Muitas vezes a criatividade leva-te à cruz. Mas quando provém da oração, dá fruto.
A criatividade que vem da oração tem uma dimensão antropológica de transcendência, porque mediante a oração abres-te à transcendência, a Deus. Mas há também a outra transcendência: abrir-se aos outros, ao próximo. Não se deve ser uma Igreja fechada em si mesma, que contempla o próprio umbigo, uma Igreja auto-referencial, que olha para si mesma e não é capaz de transcender. É importante a transcendência dupla: rumo a Deus e rumo ao próximo.
Como encontro os outros? De longe ou de perto? É necessário encontrá-los de perto, a proximidade. Criatividade, transcendência e proximidade”. (Cfr. 26/07/2014)

A pergunta ainda é: como ser pai espiritual? E acho que o Santo Padre me iluminou com sua habitual simplicidade e profundidade: Criatividade, transcendência e proximidade. E ainda contou uma história:

Há dois anos, um sacerdote que foi para a Argentina como missionário — era da diocese de Buenos Aires e foi para uma diocese do Sul, numa zona onda fazia anos que não havia um sacerdote, e tinham chegado os evangélicos — contou-me que encontrou uma mulher que tinha sido a professora do povoado e depois a diretora da escola do lugar. Esta senhora fê-lo acomodar e começou a insultá-lo, não com palavrões, mas com ímpeto: «Vós abandonastes-nos, deixastes-nos sozinhos, e eu que preciso da Palavra de Deus tive que ir ao culto protestante e tornei-me protestante». Este sacerdote jovem, que é uma pessoa tranquila que reza, quando a mulher terminou o queixume, disse: «Senhora, só uma palavra: perdão. Perdoa-nos, perdoa-nos. Abandonamos o rebanho». E o tom daquela mulher mudou. Contudo, permaneceu protestante e o sacerdote não entrou no tema de qual era a verdadeira religião: naquele momento ele não o podia fazer. No fim, a senhora começou a sorrir e disse: «Padre, deseja um café?» — «Sim, tomemos um café». E quando o sacerdote estava para sair, disse: «Espere, padre, venha», e conduziu-o até ao quarto, abriu o armário e ali estava a imagem de Nossa Senhora: «deve saber que nunca a abandonei. Está escondida por causa do pastor, mas tenho-a em casa!». Trata-se de uma história que ensina como a proximidade e a mansidão fizeram com que esta mulher se reconciliasse com a Igreja, porque se sentia abandonada pela Igreja. (Cfr. 26/07/2014)

Percebo que, assim como acontece com muitos pais, eu posso perder meus “filhos” por querer controla-los demais, ou por soltá-los demais. Por isso preciso aprender a ser padre, e partilho isso com os senhores.
Tenho ainda uma última “inexperiência” para partilhar.

4.     Qual é o centro da espiritualidade de um padre diocesano?


A cartilha do Seminário sempre me ensinou que é a espiritualidade do Bom Pastor. (Que não tenha nenhum seminarista aqui por causa do que eu vou falar...) Mas a imagem que eu sempre fiz do bom pastor não encaixa muito com o que eu encontro hoje. Na minha imaginação, este "pastor" é muito solitário, muito free lancer, muito "in-dependente" (ou autossuficiente?).

O Papa Francisco, mais uma vez, me iluminou sobre esta questão quando disse que “o centro da espiritualidade do padre Diocesano está na diocesanidade”. Parece aula de metafísica, com a velha história da cadeiridade da cadeira... a diocesanidade dos padres diocesanos. Mas a explicação é mais simples: proximidade com o Bispo e proximidade com os irmãos de presbitério.

Cito o Papa: Diocesanidade significa uma relação com o Bispo que se deve concretizar e fazer crescer continuamente. Na maioria dos casos não é um problema catastrófico, mas uma realidade normal. Em segundo lugar a diocesanidade implica uma relação com os outros sacerdotes, com todo o presbitério. Não há espiritualidade do sacerdote diocesano sem estes dois relacionamentos: com o Bispo e com o presbitério.
Tudo consiste nisto: é simples, mas ao mesmo tempo não é fácil. Não é fácil pôr-se de acordo com o Bispo, nem sempre é fácil, porque as ideias de um e de outro são diferentes, mas pode-se discutir... e discuta-se! (...) Quantas vezes um filho discute com o seu pai e no fim permanecem sempre pai e filho. Contudo, quando nestas duas relações, quer com o Bispo quer com o presbitério, há diplomacia, não há o Espírito do Senhor, porque falta o espírito de liberdade. É preciso ter a coragem de dizer «Eu não penso assim, penso diversamente», e também a humildade de aceitar uma correção. É muito importante. E qual é o maior inimigo destas duas relações? Os mexericos.
Mas, tu és um homem, por conseguinte se tens algo contra o Bispo vai ter com ele e esclarece. Mas depois haverá consequências negativas. Carregarás a cruz, mas sê homem! Se és um homem maduro e vês algo no teu irmão sacerdote que não te agrada ou que consideras errado, diz-lho diretamente, ou então se vires que ele não tolera ser corrigido, vai dizê-lo ao Bispo ou ao amigo mais íntimo daquele sacerdote, para que possa ajudá-lo a corrigir-se. Mas não o digas aos outros: porque isto significa sujar-se um ao outro. E o diabo fica feliz com aquele «banquete», porque assim ataca precisamente o centro da espiritualidade do clero diocesano. Na minha opinião os mexericos são muito danosos. (Cfr. 26/07/2014)

Termino aqui a partilha, emendando com a primeira questão que foi: como manter a unidade fraterna? 

E recordando:

- Como não ser presa da espiritualidade intimista da nossa cultura?
- Como ser um pai espiritual?
- Qual é o centro da espiritualidade do padre diocesano?

É importante ainda falar que se queremos “nos cuidar” é porque a finalidade de nossa vida bem cuidada é sempre pastoral, cuidar do povo de Deus e por isso a imagem do Bom Pastor é muito importante. Eu continuo usando esta imagem no Seminário. Mas não tenho o direito de falar aqui sobre “como cuidar das ovelhas”! Entrar nas tão queridas discussões pastorais ou querer falar sobre como fazer pastoral aqui na frente dos senhores já seria muita pretensão da minha parte. Prefiro observar os senhores e aprender ainda mais. Pois aprender, para o sacerdote, é um importante serviço de caridade.

Obrigado a todos!


(22/06/2017, 

eu, sacerdote há quase 6 anos)

segunda-feira, 20 de março de 2017

Homilia para o 3o domingo da Quaresma




Meus irmãos, estamos no terceiro domingo da Quaresma e nossa mãe, a Igreja, nos oferece uma bela liturgia da Palavra que fala de conversão. Que é o tema principal deste tempo.

A primeira leitura nos fala de Deus que corrige o seu Povo, não com o castigo, mas com a superabundância de bênçãos. Deus responde a Moisés diante das murmurações do povo e do próprio Moisés, dizendo como encontrar água no deserto. Esta água é sinal desta benção sem limites, pois ela mata a sede e anuncia Jesus Cristo, pedra viva que será golpeada pelos nossos pecados, pela nossa impaciência, como a Povo no deserto, e dele sairá abundante manancial de água da salvação.

A segunda leitura nos fala da mediação de Cristo, por meio do qual se “derramará” sobre os corações o amor de Deus, o Espírito Santo. Que lava, purifica e restaura toda a criação.

E a terceira leitura, que é o Evangelho de São João, mostra-nos o diálogo de Jesus com a mulher samaritana, duas sedes que se encontram numa promessa capaz de mudar o mundo: uma “água viva” que saciará perpetuamente a sede de quem a beber. Jesus tem sede, pede água à mulher samaritana, mas a samaritana tem uma sede mais profunda.

Na verdade, a água sempre foi um símbolo muito importante para nós cristãos, pois reconhecemos que “renascemos da água e do Espírito Santo” (Cfr. Jo 3, 5). No início do cristianismo os fiéis costumavam representar Cristo como “peixe” e nós “seus peixinhos”, pois como os peixes eles sabiam que tinham nascido da água e que não podiam viver se não permanecessem no batismo, na graça e na fidelidade a Cristo. Sabiam que fora d’água, símbolo do Espírito Santo, morreriam certamente, como o peixe.

São Francisco de Assis (séc. XIII) também dedica um verso à “irmã água”, dizendo que ela é “humilde e preciosa e casta”. É um bonito símbolo da graça de Deus!

Podemos reconhecer então: que em nós há uma sede mais forte do que a sede material. O que é a sede da graça de Deus?! O pecado nos secou e pôs de novo no deserto. Esta é nossa situação. Por isso, muitas vezes deliramos de sede. Mas Deus terá sempre a água de sua graça, se nós a soubermos pedir e receber com humildade. Bebendo desta água nunca mais teremos sede.

Mas o coração orgulhoso resiste a pedir perdão. Não queremos pedir nada, queremos ser autossuficientes. Não é verdade que somos muito mais inclinados a nos justificarmos e assumirmos uma espécie de “humildade de fachada” (Papa Francisco, 14/06/2013), que não alcançará a graça da reconciliação porque está mais preocupada em “manter posições” que em “mudar de lugar”. Como o povo no deserto, nós queremos libertação, mas com as mesmas comodidades do cativeiro do Egito. Meus irmãos, quem quiser sair do pecado precisará enfrentar o deserto! Tem que se “desalojar”, ficar incomodado, deixar Deus te desmontar. Esta é a humildade que precisamos para receber a graça de Deus. Não dá para vir a água viva se continuamos cm os velhos recipientes do pecado.

Estamos no tempo da Quaresma e já começaram os mutirões de confissões, graças a Deus, por isso faça a experiência de não se justificar. Diga fiz isso e aquilo. O padre é seu irmão e sabe dos reveses desta vida, e sabe também, por experiência própria, que nenhum deles justifica o pecado. É uma libertação ser simples, como a água, sem maiores justificativas. Para quem quer uma vida nova a simplicidade é regra.

São Beda, o venerável, no século VIII, explicava a liturgia que lemos hoje dizendo que “o dom de Deus não é outra coisa que o Espírito Santo: este é o dom que o senhor enviou aos seus amigos” (Sermão sobre a samaritana no poço de Jacó). Por isso a liturgia de hoje nos propõe a leitura da carta aos Romanos que diz que o “amor de Deus foi derramado sobre os nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (v.5). Poderíamos acrescentar: derramado como água em nossos corações. Esta água humilde e preciosa e casta. Que é capaz de entrar nas frestas de nossa falta de generosidade e nos transformar, também em humildes, preciosos e castos filhos de Deus.

E mais uma coisa: em fortes filhos de Deus. Fortes da “esperança que não decepciona”. Havia um padre idoso em nossa Diocese, já falecido, que costumava dizer que era “madeira de lei”. De fato, tinha fama de ser muito obediente à Igreja e bem disposto para todo trabalho. Estas são virtudes dos fortes, não é? Obediência, humildade, generosidade são virtudes que andam juntas. São dons do Espírito Santo que é ao mesmo tempo suave e forte, como a água.

A Igreja precisa desta água suave e forte nos seus pastores e nos seus fiéis. Fortes para o serviço a Deus e aos irmãos, fortes na tribulação, fortes na paciência a toda prova, fortes na defesa da verdade, fortes no amor. Mas só é forte quem é humilde, como a água. Quem quer tudo para si, que só reclama, quem quer sempre estar subido em pedestais, este não é forte, é soberbo, é frágil. “Deus resiste aos soberbos, mas dá sua graça aos humildes” (Tg 4, 6).

O Evangelho vem confirmar tudo o que nós falamos até agora. Este diálogo tão rico entre Jesus e a samaritana gira em torno do símbolo da água, e merece tempo em nossa oração pessoal neste fim de semana. Não deixe de fazê-lo!

Jesus, ao meio dia, pede água à mulher samaritana. É comum que ao meio dia um viajante pare num poço para tomar água, mas não é comum que uma mulher espere o ponto mais alto do sol para buscar água para seus afazeres. A gente só entende isso quando Jesus diz que “o marido que agora ela tem não é o dela”.

Talvez por isso ela escolhesse um horário em que as outras mulheres não estariam no poço para pegar água. Para evitar confusão, não é? Provavelmente a mulher legítima fosse ao poço nos horários mais frescos do dia. Que vida mais difícil a da samaritana! E Jesus vai até ela.

Santo Efrém, diácono sírio do século IV, explica assim: “Nosso Senhor veio à fonte como um caçador, ele pediu água para podê-la dar; pediu de beber como alguém sedento, para ter oportunidade de saciar a sua sede”. (Diatessaron 12, 16)

É bonito pensar que Deus quis ter sede para poder chegar a ela e a nós, que vamos ao poço para tirar água. No meio de nossos pecados. Na hora mais quente do dia. Com grande dificuldade lançamos o balde. E Deus se aproxima, pedindo água, para nos salvar.
Na verdade, as exigências de Deus são sinal de que se importa conosco. Tanta gente revoltada porque Deus pede, exige, orienta... Isto é sinal de amor! Transformar Deus em um Deus de promoção, que sempre exige menos não é aproximá-lo das pessoas, mas distanciá-lo, banalizá-lo. Deus é consigo mesmo exigente em Cristo. Ele se faz pobre, para que sejamos enriquecidos.

Nosso abraço com Deus é esta generosidade, Deus é generoso e nós também. Tempo de Quaresma é tempo desta generosidade dos corações: com a Igreja, com os pobres, com os irmãos, com os familiares, com todos! Não recuse este caminho de amor: ele é o deserto, é doloroso, nos liberta do orgulho, é libertador! Peçamos a graça de ser comoa água, fortes, humildes, preciosos e casta, sempre a serviço da vida e purificando a todos que passam por nós.

Deus abençoe a todos!




quinta-feira, 9 de março de 2017

Homilia para o 2º domingo da Quaresma


Chamado – desafio – promessa

A Quaresma é tempo de especial graça de Deus para nossa vida, e coloca-nos diante de grandes desafios de nossa realidade humana. É importante não fugir da luta da quaresma, para vivermos bem este tempo. Jesus também enfrentou estas realidades com valentia e as venceu, mas nós, da nossa parte, com a ajuda de Deus, ainda precisamos vencer estas realidades na nossa carne, pela Igreja, corpo de Cristo (Cfr. Cl 1, 24).

A primeira provação são as contrariedades da vida. Aquilo que não opinamos e não pedimos, mas nos sobrevêm: perda de alguém querido, a doença prolongada, as expectativas frustradas com alguém ou alguma coisa que amamos, ou com o trabalho de uma vida. Quem nunca se sentiu desafiado pelos reveses da vida? Estas frustrações humanas precisam se levantar diante da do Mistério Pascal de Jesus Cristo para serem redimidas, para que se transformem em um tesouro precioso oferecido a Deus, como um culto espiritual. (Cfr. Rm 12, 1)

A segunda provação são as contradições internas de nossa liberdade, que procura, teimosa, o que não lhe convém. É o mistério do pecado. O mal procurado que parece grudar em nossa alma e ameaça apagar em nós a luz da graça de Deus. É o mal que clama aos céus, não por vingança, mas por reconciliação e vida, pois enquanto estamos no pecado, estamos na sombra da morte. Esta contradição Cristo não a experimentou em sua carne, mas em suas consequências no mundo: a dureza de coração, a ganância, o ódio homicida, a covardia e a tibieza, a falta de amor. Tudo isso foi um obstáculo para Cristo e o fez sofrer. Também os que se exercitam na quaresma precisam aprender a lutar no espinhoso campo de sua liberdade decaída.

Uma vez que entendemos nossa posição, que é a posição de todo discípulo, podemos pensar na Liturgia da Palavra de hoje.

Há, de fato, um elemento que se repete nas três leituras que escutamos: o chamado de Deus. Deus nos chama! No Gênesis, Deus disse a Abraão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar” (12, 1); na Segunda Leitura, retirada da segunda carta à Timóteo, num chamado mais direto e sem rodeios, diz são Paulo: “Sofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus” (1, 8b) e, no Evangelho, o chamado é para ouvir Jesus Cristo: disse, da nuvem, uma voz: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!”. (Mt 17, 5)

É bom ser lembrado! É bom ser chamado! Lembro-me daquela parábola dos trabalhadores da vinha que ficavam na praça só esperando que alguém os chamasse. Creio que nosso mundo é um pouco essa praça, onde muita gente boa espera um convite. Quantos tesouros nós, padres, encontramos em nossas Paróquias. Pessoas que talvez ocupam bancos de Igreja há anos, esperando ser chamadas. Deus tem um tempo para cada coisa.

O Evangelho da Transfiguração é um chamado para a glória, mas vem logo depois do anúncio da cruz, onde Jesus chama os discípulos para a cruz, mas os discípulos não entendem bem o convite. Por este motivo acontece a transfiguração. É como um complemento e dá sentido ao caminho da cruz.

A verdade é que o chamado não acontece no tempo da calmaria. Deus não para o mundo para chamar os seus servos. Deus nos chama do jeito que nós estamos, preparados ou não, e seu convite parece muitas vezes um desafio: “sai da tua terra”, “sofre comigo pelo Evangelho”, “Levantai-vos e não tenhais medo”.

A glória no Tabor mostrada por Cristo serve para que recobremos a coragem diante do chamado. Um chamado que passa necessariamente pela cruz.

Santo Tomás de Aquino explica assim o Evangelho de hoje: “O Senhor, depois de haver anunciado a Paixão aos discípulos, convidou-os a que lhe imitassem o exemplo. Ora, é necessário, para trilharmos bem um caminho, termos um conhecimento prévio do fim. (...) E isso, sobretudo é necessário quando o caminho é difícil e áspero, laboriosa a jornada, mas belo o fim”. (S.Th. III, q. 45, a. 1, resp.)

Jesus promete duas coisas para quem o segue: a cruz e a glória. Esta é a proposta de Jesus. É pegar ou largar! Ou tudo ou nada. Sem cruz não tem glória. Sem glória, a cruz não vale a pena.

É tão tentador buscar só a glória. De fato, tem gente que faz nome, fama e dinheiro prometendo só glória. Dá vontade de terminar a homilia por aqui e erguer algumas tendas, não é verdade? Mas não podemos esquecer que a transfiguração é só uma estação, uma paradinha na estrada, pois precisamos continuar!

A promessa de Jesus é a cruz e a glória! A cruz e a glória! A cruz e a glória!

Não se esqueça da glória, para não deixar a cruz. Não se esqueça da cruz, para não perder a glória. Esse é chamado cristão. Nosso chamado!

Quando as contradições da vida vierem. Quando uma nova missão for pedida para você. Quando o céu se fechar de uma hora para outra com uma tempestade de problemas que você não esperava e, alguns dizem, “você nem merecia”. Quando o pecado parecer morder a sua carne, e vier o desânimo e a impressão de que o caminho cristão não é mais para você. Não deixe passar a cruz, aproveite-a!

Se é uma contradição, segura em Deus! Prossegue! Sustente a cruz!

Se é um pecado, procure o padre, se confesse, é tempo de Quaresma e penitência. Mas não deixe a cruz! A cruz é garantia da glória.

O mundo precisa de gente que aguente a cruz. Ninguém quer a cruz. Hoje, especialmente, parece que todo mundo quer viver uma vida de adolescente. Quando aparece a primeira cruz, as pessoas querem logo desistir. Não desista! Aguente a cruz em favor da família, a favor dos jovens, da castidade, do amor, do bem, da honestidade; contra o aborto, contra a corrupção, contra a mentira deste mundo tenebroso, que quer transformar crimes em direitos.

Todo o bem que queremos conquistar já está assegurado na glória, mas aqui na terra precisamos passar pela luta da cruz. Não desista!

Este foi o caminho bendito do Senhor Jesus: caminho para a glória! Este também é o seu caminho. Que Deus dê a você a graça de nunca abandoná-Lo, e de nunca se esquecer de que com Jesus vem também a cruz.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.


sábado, 4 de março de 2017

Homilia para o 1o Domingoda Quaresma, Ano A





O Pecado original – A solidariedade no pecado e na graça – As tentações do deserto

O início da Quaresma muda completamente o tom de nossa oração eclesial, a liturgia, a oração pública dos filhos e filhas de Deus.

Começamos o Ano litúrgico com os mistérios gozosos de nossa fé, mistérios que circundam o nascimento do Filho de Deus. Logo depois, passamos ao início da vida pública de Cristo, mistérios luminosos. Mas agora, o tom da liturgia nos transporta aos mistérios dolorosos: a cor é o roxo, as orações e os gestos são mais sóbrios e a música deve ser mais amena.

Tudo isso para que recolhendo os sentidos externos, despertemos os sentidos interiores e os preparemos para o campo de batalha mais importante de nossa vida: o campo de batalha do coração. Afinal, não é do coração que saem todas as más ações (cfr. Mt 12, 34 e 15, 18-19 e paralelos) e também os bons propósitos. Se ganharmos nesta primeiríssima arena, teremos também êxito no exterior.

Deste lugar mais interior, e também mais sincero, podemos dizer com o Rei Davi:

“Eu reconheço toda a minha iniquidade,/ o meu pecado está sempre à minha frente./ Foi contra vós, só contra vós, que eu pequei,/ e pratiquei o que é mau aos vossos olhos!
Criai em mim um coração que seja puro,/ dai-me de novo um espírito decidido./ Ó Senhor, não me afasteis de vossa face,/ nem retireis de mim o vosso Santo Espírito!”

É bom que este clima litúrgico passe também para nossas casas, nossa família e nosso trabalho: gestos de amor e paciência com os mais inoportunos, trabalho duro oferecido a Deus e até mesmo o lazer pode ser menos egoísta, programado para alegrar os nossos, mais do que nos confortar, por exemplo.

O fato é que precisamos dar a Deus este tempo de penitência quaresmal porque temos uma dificuldade natural de perceber nossos pecados. Diria inclusive que hoje é ainda mais necessário falar de penitência, porque é muito difícil para o homem moderno entender o que é o pecado. O tempo todo somos convidados – pela propaganda, pelo cinema e pela internet – a acariciá-lo, piscar-lhe com um dos olhos e colocar nosso valor pessoal na malícia do pecado.

Entretanto, não adiante dizer que “as coisas estão mal”. Isso não muda nada!  Se quisermos ser fieis a Deus, sejamos fieis na luta pela conversão do nosso coração, para podermos amar a Deus e amar o irmão.

Hoje lemos o Evangelho das tentações de Cristo no Deserto. E ensina São Leão Magno: “[Cristo] combateu para ensinar-nos a combater. Venceu para que nós, do mesmo modo, sejamos também vencedores. Pois não há ato de virtude sem a experiência das tentações, nem fé sem prova, nem combate sem inimigo, nem vitória sem batalha” (Sermão na Quaresma 1, 3  século V).

Poderíamos fazer uma semana de retiro para entender bem a questão da maldade do pecado, que se revela em Jesus morto na cruz, e a batalha da tentação, que é a escola da fidelidade de todos aqueles que querem servir a Deus de verdade, mas isso mereceria um estudo mais profundo. Queria então nesta homilia que entendêssemos um pouco melhor a batalha de Cristo, que é também a nossa batalha de todos os dias.

O demônio tentou a Cristo de três maneiras: pela pobreza, pela vanglória e pela ganância: ter, ser mais e poder. (Cfr. São Gregório Nazianzeno, Discurso 40, 10 – século IV)

Primeiro o “ter”. Quando o Evangelho fala que Jesus teve fome, talvez o texto tenha posto a deixa para que o tentador aparecesse. Mas quem nunca teve fome? E a fome é só um símbolo. Estamos falando aqui de nossas necessidades. Nós somos seres necessitados e frágeis. E o demônio se aproveita de nossa fraqueza para aguçar ainda mais os nossos sentidos, dando-nos a impressão de que poderemos ter o paraíso neste mundo se estivermos simplesmente “satisfeitos”. Quantas vezes nós não trabalhamos só por isso?! Por estar satisfeitos. E, nesta luta, irritamos os próximos, cedemos em pequenas e grandes mentiras, nos fechamos no egoísmo e... ao final, continuamos insatisfeitos.

Jesus eleva nossa cabeça quando diz que “Não só de pão vive o homem, mas de toda Palavra que sai da boca de Deus!” Assim, para vencer o demônio, jejue um pouco mais nesta quaresma. Quando estiver jejuando, Deus continuará falando ao seu coração.

Segundo o “ser mais”. É a tentação dos aplausos, do inchaço do orgulho. É bom lembrar que inchaço não é verdadeiro crescimento, é só aparência. E para “inchar-nos” o inimigo arma palcos para nós. Para Jesus, ele escolheu o Templo de Jerusalém. Interessante que ele sugeriu: “lança-te daqui a baixo!”. É triste, mas é verdade. Quando uma pessoa quer viver pelos aplausos ela acaba se rebaixando. Penso nos artistas que expõe ao ridículo para atrair o público. Estes Big Brothers da TV, que expõe as pessoas e as contrapõe, estes vídeos e câmeras de internet que são a ante sala do inferno. Parece que a plateia sempre está a procura de quem se jogue no abismo para tirar umas fotos, quem sabe alguns “selfs”?

Jesus recorda nossa dignidade. Não precisamos expor-nos para ganhar aplausos na terra, se Deus pede que nos guardemos para chegar às glórias do Céu.

Por último, o “poder”, a ganância. Sobre este eu não preciso dizer muito, porque como é uma tentação muito ousada, sempre revela o rabo do seu autor. É na busca de poder que os homens mostram sua careta mais horrível. As máscaras caem. E tem gente que adora até ao diabo. Tantas histórias antigas assim, não é? De pessoas que venderam a alma ao inimigo por causa do poder. Eu conheço um monte. Hoje também tem gente disposta a dar a alma ao diabo por causa do poder. Abre os jornais e você vai ver. Poderíamos dizer que mais do que operação Lava Jato a agente precisa é de uma operação água benta.

Jesus nos salva ele ordena: “Vai-te embora, Satanás, porque está escrito: ‘Adorarás ao Senhor, teu Deus, e somente a ele prestarás culto”. Tomara que neste tempo de Quaresma a voz de Deus fale mais alto que a do demônio em nossas famílias, em nosso trabalho e em nossas comunidades: “Vai-te embora ganância dos infernos!”



domingo, 1 de janeiro de 2017

Salmo 62: Sede de Deus
Vigia diante de Deus, quem rejeita as obras das trevas (cf. 1Ts 5,5)

— 4Vosso amor vale mais do que a vida:*
e por isso meus lábios vos louvam.


Qual o valor do amor? Sem dúvida todas as coisas têm seu verdadeiro valor quando tocadas pela eternidade. Aquilo que é transitório traz um peso para a alma, que é eterna e quer a eternidade. Bom é amar a Deus e nele todas as coisas. Bom é encontrar todas as coisas em Deus e Deus em todas as coisas. “Vosso amor vale mais do que a vida”. Este não é um grito de desespero ou frustração com esta vida terrena, mas um êxtase diante da verdade do Evangelho, que lança novas luzes de ciência sobre todas as coisas materiais e sobre as eternas. Não há contradição entre o bem temporal e o bem eterno de todas as coisas, quando os contemplamos sob a luz da Verdade de Deus.

Sobe do coração aos lábios este louvor das vossas criaturas, que ao chegar a Vós, se eternizam em vosso coração misericordioso e condescendente, “por isso meus lábios vos louvam”. Entretanto recordo também, “O Senhor disse: ‘esse povo se aproxima de mim só com palavras, e somente com os lábios me glorifica. Enquanto o seu coração está longe de mim” (Is 29, 13); “Pois eles não falam com sinceridade, e o seu íntimo está cheio de maquinações. Sua garganta é um túmulo aberto e sua língua é aduladora” (Sl 5, 10); “Cada palavra de seus lábios é um pecado” (Sl 58, 13); e ainda: “o inimigo tem lábios doces, mas no coração planeja como jogar-te no buraco” (Eclo 12, 16).

Por isso eu vos peço Senhor: “Ai de mim, estou perdido! Sou homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros, e meu olhos viram o Rei, Senhor dos exércitos!” (Is 6, 5), Vós que prometestes: “vou purificar os lábios dos povos, para que todos possam invocar o nome e Javé e servir a ele de comum acordo” (Sf 3, 9), purificai meus lábios para o vosso louvor, pois “os lábios do sacerdote guardam o conhecimento, e de sua boca se procurava o ensinamento, pois ele era um mensageiro do Senhor dos exércitos” (Ml 2, 7). Não por meus merecimentos, Senhor, mas por amor de vosso povo, purificai os meus lábios para o vosso louvor!

“Se te agradam os corpos, louva a Deus neles, e dirige teu amor para teu artífice, para não o desagradar nas mesmas coisas que te agradam. Se te agradam as almas, ama-as em Deus, porque, embora mutáveis, se fixas nele, terão estabilidade; de outro modo, passariam e pereceriam. Ama-as, pois, nele, e arrasta contigo até ele quantas almas puderes, dizendo-lhes: “Amemo-lo”. Porque ele criou estas coisas, e não está longe; ele não as fez para depois ir embora, mas dele procedem e nele estão. E ele está onde aprecia a verdade: no mais íntimo do coração; mas o coração errante se afastou dele.

Voltai, pecadores, ao coração, e ligai-vos àquele que é vosso criador. Firmai-vos nele, e estareis firmes; descansai nele, e estareis descansados. Para onde ides por esses ásperos caminhos? Para onde ides? O bem que amais, dele procede, mas só é bom e suave quando se dirige a ele; porém, será justamente amargo se, abandonando a Deus, amardes injustamente o que dele procede. Por que continuai por caminhos difíceis e trabalhosos? O descanso não está onde o buscais. Buscais a vida feliz na região das trevas: não está lá. Como achar a vida bem-aventurada onde nem sequer há vida?

Ele, nossa vida real veio até nós; sofreu nossa morte, e a suplantou com a abundância de sua vida; com voz de trovão clamou para que voltássemos a ele, para o lugar escondido de onde veio até nós, passando primeiro pelo seio de uma virgem, onde se desposou com ele a natureza humana, carne mortal, para não ficar sempre mortal. Dali, como o esposo que sai do tálamo, deu saltos como um gigante, para correr seu caminho. E não se deteve; correu clamando com suas palavras, com suas obras, com sua própria morte, com sua vida, com sua descida aos ínferos e com sua ascensão, clamando para que voltássemos a ele. Se ele se afastou de nossa vista, foi para que entremos em nosso coração, e ali o encontremos; se partiu, ainda está conosco. Não quis ficar por muito tempo entre nós, mas não nos abandonou. Retirou-se de onde nunca se afastou, pois o mundo foi criado por ele, e no mundo estava, e ao mundo veio para salvar os pecadores. E a ele se confessa minha alma, a ele que a cura e contra quem pecou.

Filhos dos homens, até quando sereis duros de coração? Será possível que, depois de ter a vida descido até vós, não queirais subir e viver? Mas para onde subis, quando vos ergueis e abris vossa boca no céu? Descei para subir, para subir até Deus, já que caístes levantando-vos contra Deus. Dize-lhes isto, minha alma, para que chorem neste vale de lágrimas, e assim os arrebates contigo para Deus, pois, ao dizer estas palavras ardendo em chamas de caridade, é o espírito divino que te inspira”. (Santo Agostinho, Confissões IV, XII)


Citações do Catecismo da Igreja Católica:

“2464. O oitavo mandamento proíbe falsificar a verdade nas relações com outrem. Esta prescrição moral decorre da vocação do povo santo para ser testemunha do seu Deus, que é e que quer a verdade. As ofensas à verdade exprimem, por palavras ou por actos, a recusa em empenhar-se na rectidão moral: são infidelidades graves para com Deus e, nesse sentido, minam os alicerces da Aliança”.

“2475. Os discípulos de Cristo «revestiram-se do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade verdadeiras» (Ef 4, 24). «Libertos da mentira» (Ef 4, 25), devem rejeitar «toda a malícia, falsidade, hipocrisia, invejas e toda a espécie de maledicência» (1 Pe 2, I)”.

“2487. Qualquer falta cometida contra a justiça e contra a verdade implica o dever da reparação, mesmo que o seu autor tenha sido perdoado. Quando for impossível reparar publicamente um mal, deve-se fazê-lo em segredo; se aquele que foi lesado não pode ser indemnizado directamente, deve dar-se-lhe uma satisfação moral, em nome da caridade. Este dever de reparação diz respeito também às faltas cometidas contra a reputação alheia. A reparação, moral e às vezes material, deve ser avaliada segundo a medida do prejuízo causado e obriga em consciência”.

“2500. A prática do bem é acompanhada por um prazer espiritual gratuito e pela beleza moral. Do mesmo modo, a verdade comporta a alegria e o esplendor da beleza espiritual. A verdade é bela por si mesma. A verdade da palavra, expressão racional do conhecimento da realidade criada e incriada, é necessária ao homem dotado de inteligência; mas a verdade pode encontrar também outras formas de expressão humana, complementares, sobretudo quando se trata de evocar o que ela comporta de indizível: as profundezas do coração humano, as elevações da alma, o mistério de Deus. Antes mesmo de Se revelar ao homem em palavras de verdade, Deus revela-Se-lhe pela linguagem universal da criação, obra da sua Palavra e da sua Sabedoria: a ordem e a harmonia do  cosmos – que podem ser descobertas tanto pela criança como pelo homem de ciência – , «a grandeza e a beleza das criaturas levam, por analogia, à contemplação do seu Autor» (Sb 13, 5), «porque foi a própria fonte da beleza que as criou» (Sb 13, 3).

«Com efeito, a Sabedoria é um sopro do poder de Deus, efusão pura da glória do Omnipotente; por isso, nenhum elemento impuro a pode atingir. Ela é o esplendor da luz eterna, límpido espelho da actividade de Deus, imagem da sua bondade» (Sb 7, 25-26). «A Sabedoria é, de facto, mais formosa do que o sol e supera todas as constelações. Comparada com a luz, revela-se mais excelente, porque à luz sucede a noite, mas a maldade nada pode contra a Sabedoria (Sb 7,29-30). Amei-a [...] e enamorei-me dos seus encantos» (Sb 8, 2)”.