Virgindade e celibato: por uma sexualidade pascal
CENCINI, Amedeo. São Paulo: Paulinas, 2012, 3a edição.
Introdução
“(Este livro) propõe, sobretudo, um método e não só
conteúdos. Um método que consiste substancialmente naquela estrutura antes
indicada, como uma ordem (um ordo) de
reflexão pessoal, de avaliação constante e pontual que coloca em primeiro lugar
a Palavra de Deus para deixar-se perscrutar por ela até as profundidades
inconscientes da pessoa, também com o auxílio das ciências humanas, e à luz
inspirada de nossos irmãos mais velhos, os Padres – como já dissemos. Mas
também à luz daqueles que viveram a mesma aventura da virgindade sobre a terra.
(...) Todo virgem ou celibatário deveria aprender este método – não pode haver
outro – para viver sempre melhor a oferta do próprio corpo e da própria
sexualidade ao Deus amor”. (p. 18)
“A virgindade é antes de tudo sexualidade, não a sua
negação, mas a sexualidade que passou através do mistério da Páscoa, que...
passou no exame pascal e foi ‘promovida’, não mortificada – como, aliás, toda
uma tradição de virgens continua a nos repetir. A virgindade é sinal de
passagem”. (p.18-19)
1.
Sentido de uma escolha
“A quem escolhe consagrar-se na castidade perfeita, é pedida
não uma maturidade afetiva qualquer, mas aquela típica de quem recebeu como dom
o carisma da virgindade por causa do Reino, pela Igreja e no mundo, e é chamado
a vivê-lo segundo a vocação particular do instituto ao qual pertence, ou na
qualidade de presbítero de uma Igreja local. Neste sentido, uma maturidade
afetiva de base é, de um lado, condição fundamental, como uma terra boa, para
acolher um carisma; de outro, é sua consequência, como um fruto”. (p. 22)
Significado fundamental
“Ser virgem por causa do Reino enquanto consagrados(as) quês
dizer: ‘Amar a Deus acima de todas as
criaturas (de todo coração, de toda alma e com todas as forças), para amar com
o coração e a liberdade de Deus cada
criatura, sem se ligar a nenhuma e sem excluir alguma (sem agir com os
critérios eletivos-seletivos do amor humano), ou melhor, amando em particular quem é mais tentado a não se sentir amável
ou, de fato, não é amado’”. (p.
22-23)
“(A opção virginal) não consiste primeiramente na renúncia a
instintos e tentações, tampouco no dizer não, consciente ou inconscientemente,
à experiência de amar e ser amado. Não há sequer uma pretensão subjetiva de
perfeição na sua origem, ou uma exigência cultual; muito menos uma imposição
externa (como poderia ser uma lei) ou interna (um condicionamento psíquico
como, por exemplo, o medo a outro sexo). A virgindade é “feita” de amor, e é
possível apenas como uma escolha ditada pelo amor”. (p. 23)
“A modalidade do amor virginal (condições em sentido
positivo) é a totalidade (...). Interessante é que se trata de uma totalidade
cruzada no que diz respeito ao objeto (amor por Deus e pelo homem), no sentido
de que aquele divino, Deus, é amado de coração e por um coração totalmente
humano, enquanto que a criatura humana é amada com afeição divina, ou seja,
sempre com um coração de carne, mas educado pela liberdade de Deus a amar com a
sua largura, altura, intensidade...”. (p. 25)
“A renúncia intencional do virgem é a de renunciar aos laços
definitivos e exclusivos, com caráter totalizante (...). Mas não só isso.
(...). O virgem também escolhe não excluir ninguém! Em suma, ele renuncia a
amar com os critérios da benevolência e simpatia somente humanas, que prefere
um ou exclui outro com base no simples instinto, na espontânea atração, ou no
interesse pessoal mais no que do alheio”. (p. 25)
Para uma verificação inicial
“No que nos diz respeito, somos frequentemente presunçosos;
julgamos saber, temos por certo já ter compreendido tudo, ou pensamos que, com
o passar do tempo, se entra na assim chamada “paz dos sentidos” (que não
existe), ou nos tornamos tão ‘sábios e realistas’ (?) a ponto de não pretender
ter sempre uma grande paixão no coração (que, desta forma, desaparece
verdadeiramente)... Esquecemo-nos que a virgindade por causa do Reino, se não
se torna objeto de atenção constante (ou de formação permanente), transforma-se
em fadiga impossível de se viver ou em frustração permanente”. (p. 26-27)
“A virgindade não é algo circunscrito, que diz respeito a um
determinado aspecto bem delimitado da vida da pessoa, mas é expressão de toda
uma personalidade que escolheu um preciso estilo de vida; é um modo de pensar e
desejar; de dar sentido à vida e à morte, de viver a relação e a solidão, de
estar com Deus e com o próximo, de crer e esperar, de sofrer e ter compaixão,
de fazer festa e trabalhar...”. (p. 28)
“A virgindade é a escolha inevitável do fiel que se sente
envolvido por um amor... incrível. A resposta a este amor é um dom total de si
a ele, cheio de gratidão (por Deus
amante, fonte do amor) e de gratuidade
(para aquele que são chamados a amar). (...) Não se sente herói, nem superior a
quem faz outra escolha, não vive a sua virgindade como aquela artificiosa
seriedade, um tanto triste, um tanto orgulhosa, que o tornaria antipático. A
escolha virginal – repetimos – é questão de amor e basta”. (p. 28-29)
“Ao mesmo tempo, uma escolha que incide sobre um instinto
profundamente enraizado na natureza, pede realisticamente
a renúncia ao exercício deste instinto, e é uma renúncia pesada, pois tal
instinto atrai e faz parte de um desígnio de origem divina. Nenhum ser humano
inteligente e normal pode pensar em fazê-la com o coração leve e tranquilo”.
(p. 29)
“A virgindade não suporta a mediocridade. E, de outro lado,
nada como esta opção, vivida na fidelidade apaixonada, favorece a qualidade de
vida: o gosto da beleza, o espírito de sobriedade, a elegância no trato, o
culto à verdade, a eficácia no testemunho, a transparência contagiosa...”. (p.
31)
“(A opção virginal) assume uma particular importância para
todos. (...) Existe uma crise de insignificância ou de frustração do sentido
que investe também contra aquilo que está no centro da escolha virginal: o
amor. Na atual babel cultural, o jovem, em particular, não sabe mais o que quer
dizer amar, deixar-se querer bem, acolher o outro, ou então é induzido a pensar
que certos termos (fidelidade, renúncia, gratuidade, castidade e ainda mais
virgindade) não têm mais nenhum sentido hoje”. (p. 32)
“Quem recebeu o dom de ser celibatário por amor é chamado a
redescobrir a sua vocação natural ao ministério da educação, em sentido lato,
não só enquanto mestre, mas, sobretudo enquanto testemunha de uma virgindade
solar na sua luminosidade e radicalidade, de uma virgindade vivida como dom que
preenche a vida, que leva à plena maturação a vocação do amor e que torna o
virgem semelhante ao Filho crucificado, como ele apaixonado por Deus e
apaixonado pelo homem, até o dom radical de si”. (p. 33)
Poesia virgem
Viver
sem Ti
agora que estás em mim
agora que és a vida
me é impossível.
Tudo é Tu
e eu estou no tudo.