terça-feira, 28 de junho de 2016



CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Carta Iuvenecit Ecclesia
Sobre a relação entre os dons hierárquicos e carismáticos para a vida da Igreja.

"Algumas frases do documento"

INTRODUÇÃO

1.
“A força do Evangelho e do Espírito Santo renovam continuamente a Igreja”.

“Quais são as graças que operam a nossa salvação que não nos são concedidas pelo Espírito Santo? Por seu intermédio, somos libertos da escravidão e chamados à liberdade, somos conduzidos à adoção filial e, por assim dizer, formados de novo, após ter deposto o pesado e odioso fardo dos nossos pecados. Pelo Espírito Santo, vemos assembleias de sacerdotes e possuímos multidões de doutores; desta nascente brotam dons de revelação, graças de cura e todos os outros carismas que adornam a Igreja de Deus”. (São João Crisóstomo)

2.
“O agregar-se dos fiéis com uma forte partilha de vida, com a intenção de incrementar a vida de fé, esperança e caridade, exprime bem a dinâmica eclesial como mistério de comunhão para a missão e manifesta-se como um sinal de unidade da Igreja em Cristo. Neste sentido, estas agregações eclesiais, com origem num carisma partilhado, tendem a ter como propósito o fim apostólico geral da Igreja”.

“Nestas realidades, exprime-se também uma peculiar forma de missão e de testemunho, com o objetivo de favorecer e desenvolver, quer uma consciência viva da própria vocação cristã, quer itinerários estáveis de formação cristã, quer ainda percursos de perfeição evangélica”.

I. CARISMAS SEGUNDO O NOVO TESTAMENTO

4.
“Um carisma não é um dom distribuído por todos (cf. 1Cor 12, 30), diferentemente das graças fundamentais, como seja a graça santificante ou os dons da fé, da esperança e da caridade, que são indispensáveis a todo o cristão. Os carismas são dons particulares que o Espírito Santo distribui «como lhe apraz» (1 Cor 12, 11)”.

5.
“Na vida comum é necessário que a força do Espírito Santo dada a um seja transmitida a todos. Quem vive para si próprio, talvez possa ter um carisma, mas torna-o inútil ao conservá-lo inativo, porque o enterrou dentro de si mesmo. De qualquer modo, Paulo não exclui que um carisma possa ser útil somente à pessoa que o recebeu. Tal é o exemplo de falar em línguas, diferente neste caso do dom da profecia. Os carismas que têm uma utilidade comum, sejam carismas de palavra (de sabedoria, de conhecimento, de profecia, de exortação) ou de ação (de autoridade, de ministério, de governo), têm também uma utilidade pessoal, uma vez que o seu exercício em prol do bem comum favorece o progresso na caridade em quem os possui.”

“Uma passagem severa do Evangelho de Mateus (Mt 7, 22-23) exprime a mesma realidade: o exercício de carismas vistosos (profecias, exorcismos, milagres) infelizmente pode coexistir com a ausência de uma relação autêntica com o Salvador. Por conseguinte, tanto Pedro como Paulo insistem na necessidade de orientar todos os carismas para a caridade”.

7.
“De tudo o que foi observado, torna-se evidente que não existe nos textos escriturísticos uma oposição entre os vários carismas, mas antes harmoniosa conexão e complementaridade. A antítese entre uma Igreja institucional de tipo judeo-cristão e uma Igreja carismática de tipo paulino, afirmada por algumas interpretações eclesiológicas redutoras, na verdade não encontra um fundamento adequado nos textos do Novo Testamento”.

8.
“Quem recebeu o dom de governar na Igreja tem também a missão de vigiar sobre o bom exercício dos outros carismas, de modo que tudo concorra para o bem da Igreja e para a sua missão evangelizadora, sabendo que é o Espírito Santo que distribui os dons carismáticos por cada um, da forma que lhe apraz (cf. 1 Cor 12, 11). O mesmo Espírito dá á hierarquia da Igreja a capacidade de discernir os carismas autênticos, de os acolher com alegria e gratidão, de os promover com generosidade e de os acompanhar com paternidade vigilante”.

II. A RELAÇÃO ENTRE OS DONS HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS NO MAGISTÉRIO RECENTE

9.
“O Espírito [...] conduz a Igreja à verdade total (cf. Jo 16, 13) e unifica-a na comunhão e no ministério, enriquece-a e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a com os seus frutos (cf. Ef 4, 11-12; 1 Cor 12, 4; Gál 5, 22)”.

“O Espírito Santo ‘não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes’ mas ‘distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja’”.

“Estes carismas, quer sejam os mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da Igreja”

“Esses dons não devem ser considerados como algo facultativo na vida da Igreja; melhor, ‘a recepção destes carismas, mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de os atuar na Igreja e no mundo, para bem dos homens e edificação da Igreja, na liberdade do Espírito Santo’”.

10.
“Tal como na Igreja as instituições essenciais são carismáticas, assim os carismas devem de uma forma ou de outra institucionalizar-se, para que haja coerência e continuidade. Assim, ambas as dimensões, originárias do Espírito Santo através do Corpo de Cristo, concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério e a obra salvífica de Cristo no mundo”.

III. O FUNDAMENTO TEOLÓGICO DA RELAÇÃO ENTRE DONS HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS

11.
“O Espírito Santo não pode, seja de que forma for, inaugurar uma economia diversa à do Logos Divino encarnado, crucificado e ressuscitado”.

“Precisamente para evitar visões teológicas equívocas que requeressem (levassem a) uma ‘Igreja do Espírito’ diversa e separada da Igreja hierárquica-institucional, é oportuno sublinhar que as duas missões divinas se implicam reciprocamente em todos os dons concedidos à Igreja”.

12.
“De fato, nos dons hierárquicos, enquanto ligados ao sacramento da Ordem, surge em primeiro plano a relação com o agir salvífico de Cristo, como, por exemplo, a instituição da Eucaristia (cf. Lc 22, 19s; 1Cor 11, 25), o poder de perdoar os pecados (cf. Jo 20, 22s), o mandato apostólico com a tarefa de evangelizar e batizar (cf. Mc 16, 15s; Mt 28, 18-20); ao mesmo tempo, é evidente que nenhum sacramento pode ser conferido sem a ação do Espírito Santo. Por outro lado, os dons carismáticos dispensados pelo Espírito Santo, ‘que sopra onde Quer’ (cf. Jo 3, 8) e distribui os seus dons ‘como lhe apraz’ (1 Cor 12, 11), são objetivamente relacionados com a vida nova em Cristo, uma vez que ‘cada um pela sua parte’ (1 Cor 12, 27) é membro do seu Corpo. Portanto, a correta compreensão dos dons carismáticos é feita somente em relação à presença de Cristo e ao seu serviço; tal como afirmou João Paulo II, ‘os verdadeiros carismas não podem senão tender para o encontro com Cristo nos Sacramentos’”

IV. RELAÇÃO ENTRE DONS HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA

13.
“(Os) sacramentos da iniciação são constitutivos da vida cristã e sobre eles se apoiam os dons hierárquicos e carismáticos. A vida da comunhão eclesial, assim internamente ordenada, vive na escuta religiosa permanente da Palavra de Deus e é alimentada pelos Sacramentos”.

“A presença eficaz do Espírito no coração dos crentes (cf. Rm 5, 5) é a raiz desta unidade também para as manifestações carismáticas. Os carismas dados às pessoas singulares, de fato, fazem parte da mesma Igreja e são destinados a uma mais intensa vida eclesial”.

“A relação entre os dons carismáticos e a estrutura eclesial sacramental confirma a coessencialidade entre dons hierárquicos – de por si estáveis, permanentes e irrevocáveis – e dons carismáticos. Apesar destes últimos, nas suas formas históricas, não serem garantidos para sempre, a dimensão carismática nunca pode faltar à vida e à missão da Igreja”.

14.
“Em ordem à santificação de cada um dos membro do povo de Deus e à missão da Igreja no Mundo, entre os diversos dons, ‘sobressai a graça própria dos apóstolos, a cuja autoridade o mesmo Espírito sujeitou também os carismáticos’”.

15.
“Se pelo exercício dos dons hierárquicos é assegurada, ao longo da história, a oferta da graça de Cristo a favor de todo o povo de Deus, todos os fiéis são chamados a acolhê-la e a corresponder-lhe pessoalmente nas circunstâncias concretas da própria vida. Os dons carismáticos são, por isso, distribuídos livremente pelo Espírito Santo, para que a graça sacramental produza fruto na vida cristã de modo diversificado e a todos os níveis”.

“Os dons carismáticos levam os fiéis a responder, em plena liberdade e num modo adequado aos tempos, ao dom da salvação, fazendo de si próprios um dom de amor para os outros e um testemunho autêntico do Evangelho diante de todos os homens”.

17.
“Reconhecer a autenticidade do carisma não é uma tarefa sempre fácil, mas é um serviço imprescindível que os Pastores devem realizar. Na realidade, os fiéis têm o ‘direito de ser advertidos pelos Pastores sobre a autenticidade dos carismas e sobre a credibilidade dos que se apresentam como seus depositários’. Para tal, a autoridade deverá ser consciente da efetiva imprevisibilidade dos carismas suscitados pelo Espírito Santo, valorizando-os de acordo com a regra da fé, tendo em vista a edificação da Igreja”.

18.
“Critérios para o discernimento dos dons carismáticos: Primado da vocação de cada cristão à santidade; Empenho na difusão missionária do Evangelho; Confissão da fé católica; Testemunho de uma comunhão ativa com toda a Igreja; Reconhecimento e estima da complementaridade recíproca de outras realidades carismáticas na Igreja; Aceitação dos momentos de prova no discernimento dos carismas; Presença de frutos espirituais, tais como caridade, alegria, humanidade e paz; Dimensão social da evangelização”.

V. PRÁTICA ECLEISAL DA RELAÇÃO ENTRE DONS HIERÁRQUICOS E DONS CARISMÁTICOS

20.
“As diversas agregações reconheçam a autoridade dos pastores na Igreja como uma realidade interna da própria vida cristã, desejando sinceramente ser reconhecidas, acolhidas e eventualmente purificadas, colocando-se ao serviço da missão eclesial”.

“Os que foram investidos dos dons hierárquicos, levando a cabo o discernimento e o acompanhamento dos carismas, devem acolher cordialmente o que o Espírito suscita no seio da comunhão eclesial, tendo-o em conta na ação pastoral e valorizando o seu contributo como uma autêntica riqueza para o bem de todos”.
22.

“Os dons representam uma possibilidade autêntica para viver e desenvolver a própria vocação cristã[99]. Estes dons carismáticos permitem aos fiéis viver na existência quotidiana o sacerdócio comum do Povo de Deus: como ‘discípulos de Cristo, perseverando juntos na oração e no louvor de Deus (cf. At 2,42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstia viva, santa, agradável a Deus (cf. Rm 12,1); deem testemunho de Cristo em toda a parte; e, àqueles que por isso se interessarem, falem da esperança, que está neles, da vida eterna (cf. 1Pe 3,15)’”.

“Um fiel ordenado poderá encontrar, numa determinada agregação eclesial, força e ajuda para viver a fundo o que lhe é pedido pelo seu ministério específico, quer perante todo o Povo de Deus, e em particular a porção que lhe está confiada, quer no que diz respeito à obediência sincera devida ao próprio Ordinário”.

“É significativo que o espírito dos conselhos evangélicos seja recomendado pelo Magistério também a cada ministro ordenado. Inclusive o celibato, pedido aos presbíteros na venerável tradição latina, insere-se claramente na linha do dom carismático. Não se trata de uma realidade primariamente funcional, mas ‘constitui uma especial conformação ao estilo de vida do próprio Cristo’, em que se realiza a plena entrega pessoal, tendo em vista a missão conferida mediante o sacramento da Ordem”.

CONCLUSÃO

24.
“Atendendo à efusão do Espírito Santo, os primeiros discípulos eram assíduos e concordes na oração, juntamente com Maria, a mãe de Jesus (cf. At 1, 14). Ela foi perfeita a acolher e a fazer frutificar as graças singulares com as quais tinha sido enriquecida de forma superabundante pela Santíssima Trindade, em que a primeira entre todas foi a graça de ser Mãe de Deus. Todos os filhos da Igreja podem admirar a Sua plena docilidade à ação do Espírito Santo: docilidade na fé, sem rupturas, e numa humildade cristalina. Assim, Maria testemunha em plenitude o acolhimento obediente e fiel de cada dom do Espírito. Mas mais ainda, como ensina o Concílio Vaticano II, a Virgem Maria ‘com Seu amor de Mãe, cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz’. Uma vez que Ela ‘se deixou-Se conduzir pelo Espírito, através dum itinerário de fé, rumo a uma destinação feita de serviço e fecundidade’, também nós, ‘hoje, fixamos n’Ela o nosso olhar, para que nos ajude a anunciar a todos a mensagem de salvação e para que os novos discípulos se tornem operosos evangelizadores’”.

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