CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Carta Iuvenecit Ecclesia
Sobre a
relação entre os dons hierárquicos e carismáticos para a vida da Igreja.
"Algumas frases do documento"
INTRODUÇÃO
1.
“A força do Evangelho e do
Espírito Santo renovam continuamente a Igreja”.
“Quais são as graças que operam a
nossa salvação que não nos são concedidas pelo Espírito Santo? Por seu
intermédio, somos libertos da escravidão e chamados à liberdade, somos
conduzidos à adoção filial e, por assim dizer, formados de novo, após ter
deposto o pesado e odioso fardo dos nossos pecados. Pelo Espírito Santo, vemos
assembleias de sacerdotes e possuímos multidões de doutores; desta nascente brotam
dons de revelação, graças de cura e todos os outros carismas que adornam a Igreja
de Deus”. (São João Crisóstomo)
2.
“O agregar-se dos fiéis com uma
forte partilha de vida, com a intenção de incrementar a vida de fé, esperança e
caridade, exprime bem a dinâmica eclesial como mistério de comunhão para a
missão e manifesta-se como um sinal de unidade da Igreja em Cristo. Neste
sentido, estas agregações eclesiais, com origem num carisma partilhado, tendem
a ter como propósito o fim apostólico geral da Igreja”.
“Nestas realidades, exprime-se
também uma peculiar forma de missão e de testemunho, com o objetivo de
favorecer e desenvolver, quer uma consciência viva da própria vocação cristã,
quer itinerários estáveis de formação cristã, quer ainda percursos de perfeição
evangélica”.
I. CARISMAS SEGUNDO O NOVO
TESTAMENTO
4.
“Um carisma não é um dom
distribuído por todos (cf. 1Cor 12, 30), diferentemente das graças
fundamentais, como seja a graça santificante ou os dons da fé, da esperança e
da caridade, que são indispensáveis a todo o cristão. Os carismas são dons
particulares que o Espírito Santo distribui «como lhe apraz» (1 Cor 12, 11)”.
5.
“Na vida comum é necessário que a força do
Espírito Santo dada a um seja transmitida a todos. Quem vive para si próprio, talvez
possa ter um carisma, mas torna-o inútil ao conservá-lo inativo, porque o
enterrou dentro de si mesmo. De qualquer modo, Paulo não exclui que um carisma
possa ser útil somente à pessoa que o recebeu. Tal é o exemplo de falar em
línguas, diferente neste caso do dom da profecia. Os carismas que têm uma
utilidade comum, sejam carismas de palavra (de sabedoria, de conhecimento, de
profecia, de exortação) ou de ação (de autoridade, de ministério, de governo),
têm também uma utilidade pessoal, uma vez que o seu exercício em prol do bem
comum favorece o progresso na caridade em quem os possui.”
“Uma passagem severa do Evangelho
de Mateus (Mt 7, 22-23) exprime a mesma realidade: o exercício de carismas
vistosos (profecias, exorcismos, milagres) infelizmente pode coexistir com a
ausência de uma relação autêntica com o Salvador. Por conseguinte, tanto Pedro
como Paulo insistem na necessidade de orientar todos os carismas para a caridade”.
7.
“De tudo o que foi observado,
torna-se evidente que não existe nos textos escriturísticos uma oposição entre
os vários carismas, mas antes harmoniosa conexão e complementaridade. A
antítese entre uma Igreja institucional de tipo judeo-cristão e uma Igreja
carismática de tipo paulino, afirmada por algumas interpretações eclesiológicas
redutoras, na verdade não encontra um fundamento adequado nos textos do Novo
Testamento”.
8.
“Quem recebeu o dom de governar
na Igreja tem também a missão de vigiar sobre o bom exercício dos outros
carismas, de modo que tudo concorra para o bem da Igreja e para a sua missão
evangelizadora, sabendo que é o Espírito Santo que distribui os dons carismáticos
por cada um, da forma que lhe apraz (cf. 1 Cor 12, 11). O mesmo Espírito dá á
hierarquia da Igreja a capacidade de discernir os carismas autênticos, de os
acolher com alegria e gratidão, de os promover com generosidade e de os
acompanhar com paternidade vigilante”.
II. A RELAÇÃO ENTRE OS DONS
HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS NO MAGISTÉRIO RECENTE
9.
“O Espírito [...] conduz a Igreja
à verdade total (cf. Jo 16, 13) e unifica-a na comunhão e no ministério,
enriquece-a e guia-a com diversos dons hierárquicos e carismáticos e adorna-a
com os seus frutos (cf. Ef 4, 11-12; 1 Cor 12, 4; Gál 5, 22)”.
“O Espírito Santo ‘não só
santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o
adorna com virtudes’ mas ‘distribui também graças especiais entre os fiéis de
todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e
encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da
Igreja’”.
“Estes carismas, quer sejam os
mais elevados, quer também os mais simples e comuns, devem ser recebidos com ação
de graças e consolação, por serem muito acomodados e úteis às necessidades da
Igreja”
“Esses dons não devem ser considerados
como algo facultativo na vida da Igreja; melhor, ‘a recepção destes carismas,
mesmo dos mais simples, confere a cada um dos fiéis o direito e o dever de os atuar
na Igreja e no mundo, para bem dos homens e edificação da Igreja, na liberdade
do Espírito Santo’”.
10.
“Tal como na Igreja as
instituições essenciais são carismáticas, assim os carismas devem de uma forma
ou de outra institucionalizar-se, para que haja coerência e continuidade.
Assim, ambas as dimensões, originárias do Espírito Santo através do Corpo de
Cristo, concorrem conjuntamente para tornar presente o mistério e a obra salvífica
de Cristo no mundo”.
III. O FUNDAMENTO TEOLÓGICO DA
RELAÇÃO ENTRE DONS HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS
11.
“O Espírito Santo não pode, seja
de que forma for, inaugurar uma economia diversa à do Logos Divino encarnado,
crucificado e ressuscitado”.
“Precisamente para evitar visões
teológicas equívocas que requeressem (levassem a) uma ‘Igreja do Espírito’
diversa e separada da Igreja hierárquica-institucional, é oportuno sublinhar
que as duas missões divinas se implicam reciprocamente em todos os dons concedidos
à Igreja”.
12.
“De fato, nos dons hierárquicos, enquanto
ligados ao sacramento da Ordem, surge em primeiro plano a relação com o agir
salvífico de Cristo, como, por exemplo, a instituição da Eucaristia (cf. Lc 22,
19s; 1Cor 11, 25), o poder de perdoar os pecados (cf. Jo 20, 22s), o mandato
apostólico com a tarefa de evangelizar e batizar (cf. Mc 16, 15s; Mt 28,
18-20); ao mesmo tempo, é evidente que nenhum sacramento pode ser conferido sem
a ação do Espírito Santo. Por outro lado, os dons carismáticos dispensados pelo
Espírito Santo, ‘que sopra onde Quer’ (cf. Jo 3, 8) e distribui os seus dons
‘como lhe apraz’ (1 Cor 12, 11), são objetivamente relacionados com a vida nova
em Cristo, uma vez que ‘cada um pela sua parte’ (1 Cor 12, 27) é membro do seu
Corpo. Portanto, a correta compreensão dos dons carismáticos é feita somente em
relação à presença de Cristo e ao seu serviço; tal como afirmou João Paulo II,
‘os verdadeiros carismas não podem senão tender para o encontro com Cristo nos
Sacramentos’”
IV. RELAÇÃO ENTRE DONS
HIERÁRQUICOS E CARISMÁTICOS NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
13.
“(Os) sacramentos da iniciação
são constitutivos da vida cristã e sobre eles se apoiam os dons hierárquicos e
carismáticos. A vida da comunhão eclesial, assim internamente ordenada, vive na
escuta religiosa permanente da Palavra de Deus e é alimentada pelos Sacramentos”.
“A presença eficaz do Espírito no
coração dos crentes (cf. Rm 5, 5) é a raiz desta unidade também para as
manifestações carismáticas. Os carismas dados às pessoas singulares, de fato,
fazem parte da mesma Igreja e são destinados a uma mais intensa vida eclesial”.
“A relação entre os dons
carismáticos e a estrutura eclesial sacramental confirma a coessencialidade
entre dons hierárquicos – de por si estáveis, permanentes e irrevocáveis – e
dons carismáticos. Apesar destes últimos, nas suas formas históricas, não serem
garantidos para sempre, a dimensão carismática nunca pode faltar à vida e à
missão da Igreja”.
14.
“Em ordem à santificação de cada
um dos membro do povo de Deus e à missão da Igreja no Mundo, entre os diversos
dons, ‘sobressai a graça própria dos apóstolos, a cuja autoridade o mesmo
Espírito sujeitou também os carismáticos’”.
15.
“Se pelo exercício dos dons
hierárquicos é assegurada, ao longo da história, a oferta da graça de Cristo a
favor de todo o povo de Deus, todos os fiéis são chamados a acolhê-la e a
corresponder-lhe pessoalmente nas circunstâncias concretas da própria vida. Os
dons carismáticos são, por isso, distribuídos livremente pelo Espírito Santo, para
que a graça sacramental produza fruto na vida cristã de modo diversificado e a todos
os níveis”.
“Os dons carismáticos levam os
fiéis a responder, em plena liberdade e num modo adequado aos tempos, ao dom da
salvação, fazendo de si próprios um dom de amor para os outros e um testemunho
autêntico do Evangelho diante de todos os homens”.
17.
“Reconhecer a autenticidade do
carisma não é uma tarefa sempre fácil, mas é um serviço imprescindível que os
Pastores devem realizar. Na realidade, os fiéis têm o ‘direito de ser
advertidos pelos Pastores sobre a autenticidade dos carismas e sobre a
credibilidade dos que se apresentam como seus depositários’. Para tal, a
autoridade deverá ser consciente da efetiva imprevisibilidade dos carismas
suscitados pelo Espírito Santo, valorizando-os de acordo com a regra da fé,
tendo em vista a edificação da Igreja”.
18.
“Critérios para o discernimento
dos dons carismáticos: Primado da vocação de cada cristão à santidade; Empenho
na difusão missionária do Evangelho; Confissão da fé católica; Testemunho de
uma comunhão ativa com toda a Igreja; Reconhecimento e estima da
complementaridade recíproca de outras realidades carismáticas na Igreja; Aceitação
dos momentos de prova no discernimento dos carismas; Presença de frutos
espirituais, tais como caridade, alegria, humanidade e paz; Dimensão social da
evangelização”.
V. PRÁTICA ECLEISAL DA RELAÇÃO
ENTRE DONS HIERÁRQUICOS E DONS CARISMÁTICOS
20.
“As diversas agregações
reconheçam a autoridade dos pastores na Igreja como uma realidade interna da
própria vida cristã, desejando sinceramente ser reconhecidas, acolhidas e
eventualmente purificadas, colocando-se ao serviço da missão eclesial”.
“Os que foram investidos dos dons
hierárquicos, levando a cabo o discernimento e o acompanhamento dos carismas,
devem acolher cordialmente o que o Espírito suscita no seio da comunhão
eclesial, tendo-o em conta na ação pastoral e valorizando o seu contributo como
uma autêntica riqueza para o bem de todos”.
22.
“Os dons representam uma possibilidade
autêntica para viver e desenvolver a própria vocação cristã[99]. Estes dons carismáticos
permitem aos fiéis viver na existência quotidiana o sacerdócio comum do Povo de
Deus: como ‘discípulos de Cristo, perseverando juntos na oração e no louvor de
Deus (cf. At 2,42-47), ofereçam-se a si mesmos como hóstia viva, santa,
agradável a Deus (cf. Rm 12,1); deem testemunho de Cristo em toda a parte; e,
àqueles que por isso se interessarem, falem da esperança, que está neles, da vida
eterna (cf. 1Pe 3,15)’”.
“Um fiel ordenado poderá
encontrar, numa determinada agregação eclesial, força e ajuda para viver a
fundo o que lhe é pedido pelo seu ministério específico, quer perante todo o
Povo de Deus, e em particular a porção que lhe está confiada, quer no que diz
respeito à obediência sincera devida ao próprio Ordinário”.
“É significativo que o espírito
dos conselhos evangélicos seja recomendado pelo Magistério também a cada
ministro ordenado. Inclusive o celibato, pedido aos presbíteros na venerável
tradição latina, insere-se claramente na linha do dom carismático. Não se trata
de uma realidade primariamente funcional, mas ‘constitui uma especial
conformação ao estilo de vida do próprio Cristo’, em que se realiza a plena
entrega pessoal, tendo em vista a missão conferida mediante o sacramento da Ordem”.
CONCLUSÃO
24.
“Atendendo à efusão do Espírito Santo, os
primeiros discípulos eram assíduos e concordes na oração, juntamente com Maria,
a mãe de Jesus (cf. At 1, 14). Ela foi perfeita a acolher e a fazer frutificar
as graças singulares com as quais tinha sido enriquecida de forma
superabundante pela Santíssima Trindade, em que a primeira entre todas foi a
graça de ser Mãe de Deus. Todos os filhos da Igreja podem admirar a Sua plena
docilidade à ação do Espírito Santo: docilidade na fé, sem rupturas, e numa humildade
cristalina. Assim, Maria testemunha em plenitude o acolhimento obediente e fiel
de cada dom do Espírito. Mas mais ainda, como ensina o Concílio Vaticano II, a Virgem
Maria ‘com Seu amor de Mãe, cuida dos irmãos de seu Filho, que ainda peregrinam
e se debatem entre perigos e angústias, até que sejam conduzidos à Pátria feliz’.
Uma vez que Ela ‘se deixou-Se conduzir pelo Espírito, através dum itinerário de
fé, rumo a uma destinação feita de serviço e fecundidade’, também nós, ‘hoje,
fixamos n’Ela o nosso olhar, para que nos ajude a anunciar a todos a mensagem de
salvação e para que os novos discípulos se tornem operosos evangelizadores’”.
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