quarta-feira, 4 de maio de 2016



Virgindade e celibato: por uma sexualidade pascal

CENCINI, Amedeo. São Paulo: Paulinas, 2012, 3a edição.

2.     O dom da virgindade

Dom para todos

“A virgindade testemunhada pelo celibatário por causa do Reino é dom para todos porque indica, de algum modo, a vocação de todos. Ou, como disse São Cipriano, a virgindade revela ‘a integridade, a santidade e a verdade’ do ser humano. Virgindade, de fato, não significa ausência-abstinência de relações, mas capacidade-qualidade de relações, a partir daquela que está na origem da vida humana: a relação com Deus” (p. 41)

“Há um espaço que apenas o amor de Deus pode preencher, ou existe uma solidão insuprimível que nenhuma criatura poderá violar e pretender preencher”. (p. 42)

“O jovem estudante universitário – educado, no devido tempo, na fé – voltou a sua cidade durante as férias. O rapaz tinha aprendido alguma coisa sobre Freud. Encontrou na praça o seu Pároco. Os tempos de catecismo estavam distantes. Depois de alguns cumprimentos o ex-coroinha, agora ex-fiel, com ares altivos, lança-lhe ali a grande descoberta: ‘Caro padre, não se iluda: as pessoas que vão a sua Igreja não vão por causa da fé, mas por causa da sublimação do impulso sexual. O senhor sabia?’ 
O velho Pároco não se descompõe. Freud, ainda que famoso, ele não o conhece, e também o termo ‘sublimação’ não lhe é familiar, mas sabe alguma coisa sobre a alma humana, dos seus desejos e das suas contradições. Com muita calma, então, lhe rebate: ‘Quanto a mim, você sabe o que lhe digo? Que quando você bate à porta de um bordel, pensa que está buscando a carne de uma mulher e, no fundo, está buscando a Deus’”. (p. 43)

“(Entre o amor divino e o amor humano) não existe inveja e ciúmes, mas, ao contrário, Deus salva o amor do homem, a tal ponto que o afeto humano, também aquele mais feliz, conjugal ou paterno-materno ou, ainda, de amizade, é tanto mais amor quanto mais ‘virginal’ é. Ou seja: é tanto mais benevolência humana quanto mais aprende a respeitar aquele espaço e aquela ligação direta  com o Criador, quanto mais não violenta aquela solidão onde todo ser humano está em relação direta e imediata (sem mediações) com o eternamente amante, quanto mais não pretende saciar definitivamente a sede de amor do outro, nem ser dele saciado, pois apenas Deus pode responder em plenitude à sede humana de amor”. (p. 44)

A responsabilidade do virgem

“Eis porque na Igreja de Deus é importante a opção virginal, não para que alguns possam tender mais rapidamente à perfeição (atenção: existe também o egoísmo espiritual!), mas para ‘recordar’ a todos a vocação de todos, para fazer memória do dom e do mistério que está presente no coração de todo ser vivente, para não esquecer as possibilidades impensadas deste coração, para que não continuem a ser ignoradas e aviltadas e, de fato, não cridas e abortadas...”. (p. 46)

“Justamente a debilidade cultural da virgindade como vocação universal no atual contexto social exige com insistência, para além de todo moralismo, a nitidez da escolha e a coerência da renúncia por parte de quem a abraçou como estilo e projeto de vida”. (p. 47)

Alternativa resoluta

“Na verdade, não há nada mais impuro do que o silêncio do virgem diante da virgindade! E se existe crise vocacional, ela é determinada pelo celibato ou pelo silêncio sobre ele? Dizendo de outro modo: uma espiritualidade que não se torna pedagogia, ou que não possa ser comunicada também aos outros e por eles compartilhada é uma espiritualidade falsa”. (p. 50)

“Só quem respeita (a virgindade) na sua natureza de dom recebido para o bem e a felicidade dos outros pode vivê-la serenamente e gozá-la como uma bem-aventurança. Caso contrário, a virgindade é só penitência, penosa de viver e de cuidar”. (p. 51)

Poesia virgem

O manto da alma
O manto da Tua alma
envolve a minha
num abraço
como nunca aparências humanas
fizeram.
Tu em mim
eu em Ti
em cada canto do mundo.
Tu vives
todas as vezes que um ser
ama.

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